Durante anos, muitas autoridades políticas e econômicas se aferraram à ideia de que, se os Estados não fizerem nada para impulsionar a igualdade de renda, as forças do mercado farão com que a riqueza chegue aos cidadãos mais pobres e contribua para o crescimento geral. No entanto, essa teoria cada vez mais cai em descrédito, e os especialistas afirmam que a brecha crescente na renda gera uma diversidade de problemas em muitas sociedades.
Em um novo informe publicado no dia 9 deste mês, pesquisadores da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), com sede em Paris, afirmam que “a redução da desigualdade na renda impulsionaria o crescimento econômico”. O estudo mostra que os países onde essa desigualdade diminui “crescem mais rapidamente do que aquele” onde aumenta. Os analistas gostariam que os governos tomassem medidas mais enérgicas para reduzir a desigualdade.
“O maior impacto no crescimento é a brecha cada vez maior entre a classe média baixa e as famílias pobres em comparação com o resto da sociedade”, diz o informe intitulado Tendências na Desigualdade de Renda e Seu Impacto no Crescimento Econômico. Segundo o estudo, “a educação é a fundamental: a falta de investimento na educação dos pobres é o principal fator para que a desigualdade prejudique o crescimento”.
Michael Förster, analista da divisão de política social da OCDE, explica que uma das razões “de os pobres e as classes médias baixas ficarem atrasadas nas sociedades desiguais” é que carecem dos recursos para investir em sua educação ou na de seus filhos, em comparação com os cidadãos mais ricos. Os governos devem modificar as estratégias que se baseiam em teorias econômicas obsoletas, recomenda o estudo.
“O ponto de partida comum dizia que quanto mais se fizesse para melhorar a igualdade, mais se dificultaria o crescimento. A ideia era que se você tira muito dos que ganham mais, por meio de impostos, terá menos crescimento. Não encontramos provas disso. Mas, encontramos que o aumento da desigualdade é ruim para o crescimento”, apontou Förster.
O estudo da OCDE calcula que a desigualdade custou “10% do crescimento do México e da Nova Zelândia nas duas últimas décadas até a Grande Recessão. Nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e Itália, a “taxa de crescimento teria sido de 6% a 9% maior se não houvesse aumentado a disparidade na renda”, segundo o informe.
O secretário-geral da OCDE, o mexicano José Ángel Gurría, afirmou que essa “evidência convincente” demonstra que abordar a desigualdade é “fundamental para promover o crescimento forte e sustentado”, e deve estar no centro das discussões de política internacional. “Os países que promovem a igualdade de oportunidades para todos a partir de uma idade precoce são os que vão crescer e prosperar”, acrescentou.
Entretanto, o economista norte-americano Jared Bernstein e outros afirmam que é difícil estabelecer um vínculo sólido entre as desigualdades na educação e no crescimento econômico. Esses analistas reconhecem que os pais mais ricos gastam mais em instrumentos e “produtos” educativos, e que os filhos e filhas de famílias endinheiradas costumam estudar em instituições de elite, em contraste com as crianças pobres que frequentam escolas de menor qualidade, mas discordam sobre as consequências socioeconômicas dessas diferenças.
Com a “nova evidência”, os pesquisadores da OCDE asseguram que a desigualdade afeta o crescimento principalmente ao “prejudicar as oportunidades de educação das crianças com antecedentes socioeconômicos pobres, reduzindo a mobilidade social e criando obstáculo ao desenvolvimento de habilidades”.
“As pessoas cujos pais têm baixo nível de instrução veem como seus resultados educacionais se deterioram na medida em que cresce a desigualdade na renda. Pelo contrário, o efeito é escasso ou nulo nas pessoas cujos pais têm níveis médios e altos de formação acadêmica”, destaca um comunicado da OCDE.
Os programas de luta contra a pobreza não bastam para criar uma maior igualdade de oportunidades no longo prazo, afirma a pesquisa. Entre as medidas essenciais se incluem “as transferências de dinheiro e o aumento do acesso aos serviços públicos, como a educação, a formação e a saúde de alta qualidade”.
Förster destaca que o estudo sobre a desigualdade se centrou na renda e não na riqueza. Mas discussões recentes abordaram os dois pontos, sobretudo na França, desde a eleição do presidente socialista François Hollande, em maio de 2012. Pouco depois de eleito, Hollande anunciou o plano de gravar com imposto de 75% toda renda superior a um milhão de euros. Os tribunais franceses aprovaram uma versão moderada da iniciativa, mas muitas famílias endinheiradas já haviam se mudado para a Bélgica e outros países.
Economistas de diferentes cores políticas discutem se o aumento de imposto é bom para a economia, e o debate ganhou força com a publicação, em 2013, de O Capital no Século 21, do reconhecido economista francês Thomas Piketty. Esse professor defende a criação de um imposto internacional sobre a riqueza. Suas pesquisas mostram que a desigualdade na renda se aprofundou em muitos países, junto a 30 anos de queda na carga fiscal.
De acordo com Piketty, a brecha é particularmente notável nos Estados Unidos, mas também na “igualitária” França, onde 1% de seus 66 milhões de habitantes ganhavam, em média, 30 mil euros mensais em 2010, contra 1.500 euros por adulto dos 50% mais pobres.
Segundo a OCDE, uma situação semelhante existe em muitos de seus 34 países membros, que inclui países europeus, mas também Chile, Estados Unidos e México, entre outros. “Os 10% mais ricos da população na área da OCDE ganham 9,5 vezes a renda dos 10% mais pobres. Na década de 1980, essa proporção era de 7 para um e desde então aumenta continuamente”, afirma a organização.
Contrariando essa tendência, a desigualdade está em baixa no Chile e no México, mas a renda dos mais ricos é mais de 25 vezes superior à dos habitantes mais pobres nos dois países.
A publicação conjunta da OCDE e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Perspectivas Econômicas da América Latina 2015, também divulgada no dia 9, analisa o papel da educação e das habilidades, e os especialistas afirmam que é preciso fazer mais para “elevar o nível educacional e abordar as desigualdades socioeconômicas persistentes e substanciais”.
Förster pontuou à IPS que a OCDE espera que os governos considerem suas conclusões como uma base para mudar as políticas. “Do contrário não sairemos da situação atual”, ressaltou. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável
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