“Incrível o que vocês fazem hoje com esses aparelhos tão pequenos. O primeiro computador que vi, tinha quase o tamanho dessa lanchonete!”, comenta o idoso arriscando-se a ser ignorado pelo adolescente entretido no celular na mesa vizinha. Não é o que acontece. Num sorriso gentil e pedindo licença para se juntar ao homem na mesa, o garoto responde: “Nossa, nem consigo imaginar isso, o senhor chegou a operar algum?” Foi o mesmo que declarar: senta que lá vem a história! Esquecido do café, o homem desatou a narrar suas aventuras ao lidar com os primeiros computadores da década de 60.
Enquanto prosseguiam na prosa, pairava em volta um silêncio delicado, estampado nos olhares sensibilizados das mesas vizinhas. O que chamava a atenção, não eram exatamente as reminiscências do velho, mas o respeito terno com que o garoto ouvia as histórias e a alegria visível do empolgado narrador por aquela gentil audiência.
Era possível sentir na falta de pressa das pessoas em se retirar das mesas, um misto de alegria e tristeza, como se tivesse pousado em nossos dedos um pássaro de rara beleza, ameaçado, porém, de extinção. Um pássaro que se poderia chamar Gentileza!
Embora escassa, a gentileza continua a diferenciar quem a pratica, induzindo à conclusão: “Que bela educação deve ter tido esta pessoa!”. Entretanto, sabemos que nem só de educação formal e familiar se constitui hoje a formação das crianças.
Músicas que inspiram violência ou desqualificam mulheres, programas de “humor” ridicularizando a condição ou deficiência física alheia, apresentadoras de TV entrevistando crianças pequenas com perguntas que fariam corar adultos e desenhos animados debochando da autoridade são amostras do que as crianças assistem na maior parte do tempo.
Em meio a slogans sem fundamento, o conceito de vencedor se deturpa em nome do lucro: “Ganha quem colocar o outro pra fora da pista”. Campanhas estimulando hábitos inadequados – “A gente faz o que quer” – contrapõem-se à educação recebida em casa e na escola. Robôs armados até os dentes para “derrotar o mal” são direcionados a crianças de quatro anos (quando não menos), numa fase em que elas deveriam se maravilhar com suas descobertas sobre o mundo.
E cabe então a pergunta: Onde, nesse cenário, haverá espaço para se aprender o gosto e a razão da gentileza? Se ela é tão bonita a ponto de emocionar, porque andaria tão rara? As crianças acreditam naquilo que ouvem e veem e, para que acreditem na gentileza, necessitam do nosso exemplo e que, juntos, escola, família e meios de comunicação se responsabilizem pelo que é transmitido a elas.
Não basta, uma vez por ano, nos esmerarmos em palavras gentis de boas festas. E não basta ao marketing vender a beleza da paz entre os homens personalizada em produtos. Precisamos sim e todos os dias de cartões de Natal ao vivo como a cena do menino e o velho na lanchonete. “Gentileza gera gentileza”, dizia o poeta carioca conhecido pelo mesmo nome. Gentileza é um presente mágico que enriquece quem dá e torna feliz quem recebe. Basta experimentar.
* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.
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