indigenasPEC215 PEC 215 e o atropelo de direitos
Cerca de 200 índios participaram de manifestação nesta terça-feira (16 de dezembro), na frente na Câmara dos deputados. O grupo foi reprimido com truculência pela Polícia. Foto: Luana Luizy/CIMI

Em meio a manifestações populares e prisões arbitrárias, votação da PEC 215 é novamente adiada e pode acontecer nesta quarta-feira.
Repressão policial, spray de pimenta, detenção de manifestantes e promessas não cumpridas. Foi em meio a este cenário que, nesta terça-feira 16 de dezembro, a bancada ruralista tentou realizar uma nova reunião da Comissão Especial da Câmara para votar a PEC 215, que pretende transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a atribuição de oficializar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas.
Assim como aconteceu na semana passada, indígenas e representantes de organizações da sociedade civil foram impedidos pelos seguranças do Congresso de entrar na “Casa do povo” e tiveram que assistir do lado de fora seu destino ser traçado por parlamentares cujos interesses nada tem a ver com a preservação socioambiental.
A reunião ordinária da comissão, marcada para as 14h desta terça, foi cancelada ainda pela manhã. Mas, no início da tarde, a bancada ruralista tentou realizar uma sessão extraordinária, a exemplo do que houve na semana passada. O grupo a favor da PEC tem utilizado a dissimulação para passar o projeto sem a presença das lideranças indígenas e representantes da sociedade civil. Os ruralistas correm contra o tempo: se não aprovarem a PEC 215 até o fim da legislatura atual, o projeto será arquivado.
Para colocar o projeto em pauta, os deputados se valeram de estratégias escusas, como trancar lideranças indígenas e representantes de organizações civis na sala da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara. Foi o que aconteceu na manhã desta terça, quando ao menos 20 pessoas que debatiam o tema foram impedidas de deixar o local por seguranças da Casa.
A privação do direito de ir e vir nos corredores da Câmara aconteceu enquanto a bancada ruralista articulava uma reunião forçada, no plenário 13 do Legislativo. Mas o grupo teve o golpe frustrado pelo presidente da Comissão, Afonso Florence (PT-BA), que não aceitou o pedido para a nova sessão. Com a negativa, a requisição foi parar com o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), que deverá decidir, até amanhã de manhã, se aceita ou não a questão de ordem encaminhada pelos ruralistas para realizar uma nova reunião da Comissão Especial da PEC 215, à revelia do presidente da Comissão.
Pimenta nos olhos dos outros
Enquanto as articulações a favor da PEC 215 aconteciam do lado de dentro da Câmara, um grupo com aproximadamente 200 índios foram impedidos de entrar no Congresso.
A Policia Militar, a tropa de choque e a Polícia Legislativa foram chamadas para conter os manifestantes mobilizados contra a PEC 215 e a portaria do anexo 2 transformou-se em uma praça de guerra, com repressão violenta e o uso de gás de pimenta, que se espalhou por todo o salão de entrada.
“O que acontece hoje é um verdadeiro absurdo e um retrocesso ao exercício da democracia. Pois como se vota uma matéria que vai decidir a vida dos povos indígenas e os verdadeiros interessados não podem sequer assistir?”, questiona Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib).
Depois do enfrentamento, um grupo de índios foi seguido pela Polícia Militar e quatro deles foram detidos de forma arbitrária, assim que desembarcaram na frente do Ministério da Justiça para conversar com o ministro Eduardo Cardozo sobre as violações dos direitos dos povos indígenas.
No início da noite o ônibus que levava um grupo com aproximadamente 40 indígenas de volta para o alojamento foi interceptado por um batalhão da PM, que aguardava a passagem do veículo na rodovia BR–040, que liga Brasília a Valparaíso. Na ocasião outros dois índios foram detidos pela polícia.
“Hoje de manhã ouvimos os militares dizerem que iriam inaugurar os novos coletes (a prova de balas), o que prova que esse tipo de orientação vem de cima. Temos um Congresso Nacional totalmente sitiado, que usa estratégias de guerrilha para impedir a entrada de qualquer cidadão que se aproxime. Isso é muito grave para um país que se diz democrático”, afirma Sônia.
Votação pode ocorrer nesta quarta-feira
Caso o presidente da Câmara aceite a questão de ordem encaminhada pelos ruralistas, a Comissão pode se reunir para votar o projeto amanhã.
O projeto traz uma ampla gama de exceções ao direito de posse e usufruto das terras por parte dos povos indígenas, além de inviabilizar novas demarcações e legalizar a invasão, a posse e a exploração de Terras Indígenas já demarcadas. O projeto transfere, ainda, do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de aprovar a oficialização de TIs, UCs e territórios quilombolas e adota a data de promulgação da Constituição (5/10/1988) como “marco temporal” para comprovar a posse indígena. Ou seja: a comunidade teria direito à terra apenas se puder demonstrar que ocupava o território nessa data.
Se aprovada, a PEC 215 pode representar um dos maiores golpes políticos já arquitetados contra a sobrevivência das populações tradicionais e do próprio meio ambiente, já que Terras Indígenas e demais áreas protegidas são comprovadamente um dos mecanismos mais eficientes para manter as florestas em pé.
Envie um e-mail pedindo a rejeição da PEC 215 para o presidente da Câmara, Henrique Alves, e ao presidente da Comissão Especial da PEC 215, Afonso Florence.
Endereços de e-mail: dep.afonsoflorence@camara.leg.br, dep.henriqueeduardoalves@camara.leg.br
Texto sugerido:
Prezado presidente da Câmara, Henrique Alves, e presidente da Comissão Especial da PEC 215, Afonso Florence,
Venho através desta mensagem expressar minha indignação e repúdio às ofensivas contra os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que tomam força no Congresso Nacional atualmente, especialmente à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Esta proposta poderá ser aprovada nesta semana, conforme planeja a bancada ruralista após as manobras realizadas na Câmara dos Deputados na semana passada, que ferem o próprio regimento da Câmara dos Deputados.
É de amplo conhecimento da sociedade que se a prerrogativa da demarcação de terras indígenas, da titulação de territórios quilombolas e da criação de unidades de conservação passar para o Congresso Nacional haverá uma total paralisação na criação destas áreas no Brasil. Além disso, o parecer desta PEC autoriza a revisão das terras indígenas que já estão demarcadas, o que coloca em risco aautonomia e a própria vida de todos os povos indígenas do Brasil.
Entendo que a PEC 215 é uma afronta aos direitos constitucionais conquistados com muito esforço e sofrimento pelos povos e comunidades tradicionais e que esta proposta significa a morte dos seus modos de vida, já que sem os seus territórios eles não têm condição de serem indígenas e quilombolas.
Também é fundamental que os senhores considerem o fato de que a Justiça Federal do Mato Grosso decidiu enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) o processo que investiga possível envolvimento do deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), na compra de um parecer sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e de seu colega Nílson Leitão (PSDB-MT), vice-presidente da Comissão Especial que analisa esta PEC, na invasão da Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé, no Mato Grosso. Escutas do Ministério Público Federal e da Polícia Federal identificaram um possível esquema de produtores rurais do nordeste do Mato Grosso para pagar R$ 30 mil a um lobista da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para elaborar parecer sobre a PEC.
Desse modo, dada a gravidade dos fatos aqui elencados, peço que os senhores façam todo o esforço no sentido de rejeitarem definitivamente esta PEC 215.
Atenciosamente.
* Publicado originalmente no site Greenpeace Brasil.
(Greenpeace Brasil)