sexta-feira, 22 de maio de 2015

Jaime Gold: somos todos culpados



O brutal e injustificável assassinato do médico Jaime Gold, na Lagoa Rodrigo de Freitas, morto a facadas, ao que tudo indica, por menores de idade, vem ratificar uma triste realidade nacional: aqui a vida está valendo muito pouco.

Não podemos outra vez discutir a questão apenas sob a ótica simplista e emocional (com toda razão) do crime em si, não levando em consideração a penca de fatores causadores de fato, não desse, mas de toda a violência que assola o país há décadas.  E que só aumenta.  

É preciso enxergar um pouco além e discutir o papel dos vários atores sociais que vêm ajudando a construir essa perversa e cruel sociedade brasileira, até chegarmos ao estágio atual em que aceitamos que uma vida seja trocada por uma bicicleta, uma carteira.

É preciso ter consciência que não nos tornamos monstruosos assim da noite para o dia.   Isso leva tempo.  É preciso olhar para dentro de cada um de nós e perguntar, comparar, entender o por quê de outras nações não terem os mesmos níveis de violência nossos.

Com a reforma educacional implementada pela ditadura militar, nossa educação se mercantilizou, sendo entregue à iniciativa privada, algo inimaginável em nações desenvolvidas, onde esse e outros bens, como a saúde, são deveres do Estado e direitos inalienáveis de toda a sociedade.    Aí, algumas raízes causais de nossa tragédia atual.

Por um tempo morei na Itália, com filhos em idade escolar.  Ali presenciei (à parte já vivermos a era “Berlusconiana), o real significado de uma educação universalizada.  Não raro levava meu filho à escola e às vezes ficava na porta observando seus coleguinhas chegarem acompanhados dos pais.  E via que na mesma sala estudavam o filho do mecânico da oficina onde consertava nosso carro e vinha de bicicleta deixar o filho, e o dono da fábrica de sapatos da cidade que chegava com o pai de Ferrari.  Em Cuba, conversando com nativos da “Ilha”, soube que as duas profissões mais importantes e mais bem remuneradas, eram justamente o professor e o médico.  Questão de Estado, da sociedade exigir de seus governantes suas prioridades.  


Li o depoimento emocionado da ex-mulher do médico assassinado esta semana.  Marcia Amil, com toda a dor do difícil momento, foi de uma clareza impressionante. Ela criticou os que pretendem se aproveitar de mais uma tragédia para defender a redução da maioridade penal.

"Nem sei se foram menores, mas sei que Jaime foi vítima de vítimas, que são vítimas de vítimas. Enquanto nosso país não priorizar saúde, educação e segurança, vão ter cada vez mais médicos sendo mortos no cartão postal do país. E não só médicos, afinal, morrem cidadãos todos os dias em toda a cidade, não só na Zona Sul".

Inútil a discussão estéril (e apenas com o foco na Segurança Pública ou na Justiça) que, cotidianamente, assistimos através de uma mídia comprometida apenas com seus interesses e lucros, fazer.  O episódio, aliás, é prato cheio para a propaganda daqueles que pregam a redução da maioridade penal.  Se continuarmos a discutir apenas os motivos e as razões que levaram este jovem a esfaquear barbaramente Jaime Gold, nada mudará e continuaremos, como bem disse sua esposa, a ver outros tantos cruéis crimes acontecerem.  

Do jeito que as coisas caminham, chegará o dia que algum gênio da Segurança vai propor que metade da população tome conta da outra metade.  Não vai adiantar. 

Sem querer justificar a barbárie do crime cometido, mas ao mesmo tempo tentando entender a cabeça da população pouco abastada e sem as oportunidades e os direitos básicos necessários atendidos, o estado brasileiro oferece muito pouco a essas famílias e, portanto, suas vidas pouco ou quase nada valem.  Se nossa classe política e elites partissem dessa lógica, talvez fosse mais fácil entender o motivo de as nossas vidas, aqui do outro lado do Apartheid Social Tupiniquim, também valerem tão pouco.  Nossa sociedade está doente e esse, infelizmente, é um dos preços dessa brutal desigualdade.

Abraços Sustentáveis


Odilon de Barros

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