O brutal e injustificável assassinato
do médico Jaime Gold, na Lagoa Rodrigo de Freitas, morto a facadas, ao que tudo
indica, por menores de idade, vem ratificar uma triste realidade nacional: aqui
a vida está valendo muito pouco.
Não podemos outra vez discutir a
questão apenas sob a ótica simplista e emocional (com toda razão) do crime em
si, não levando em consideração a penca de fatores causadores de fato, não
desse, mas de toda a violência que assola o país há décadas. E que só aumenta.
É preciso enxergar um pouco além
e discutir o papel dos vários atores sociais que vêm ajudando a construir essa perversa
e cruel sociedade brasileira, até chegarmos ao estágio atual em que aceitamos que
uma vida seja trocada por uma bicicleta, uma carteira.
É preciso ter consciência que não
nos tornamos monstruosos assim da noite para o dia. Isso leva tempo. É preciso olhar para dentro de cada um de nós
e perguntar, comparar, entender o por quê de outras nações não terem os mesmos níveis
de violência nossos.
Com a reforma educacional implementada
pela ditadura militar, nossa educação se mercantilizou, sendo entregue à
iniciativa privada, algo inimaginável em nações desenvolvidas, onde esse e
outros bens, como a saúde, são deveres do Estado e direitos inalienáveis de
toda a sociedade. Aí,
algumas raízes causais de nossa tragédia atual.
Por um tempo morei na Itália, com
filhos em idade escolar. Ali presenciei (à
parte já vivermos a era “Berlusconiana), o real significado de uma educação universalizada. Não raro levava meu filho à escola e às vezes
ficava na porta observando seus coleguinhas chegarem acompanhados dos
pais. E via que na mesma sala estudavam
o filho do mecânico da oficina onde consertava nosso carro e vinha de bicicleta
deixar o filho, e o dono da fábrica de sapatos da cidade que chegava com o pai
de Ferrari. Em Cuba, conversando com
nativos da “Ilha”, soube que as duas profissões mais importantes e mais bem
remuneradas, eram justamente o professor e o médico. Questão de Estado, da sociedade exigir de seus
governantes suas prioridades.
Li o depoimento emocionado da
ex-mulher do médico assassinado esta semana.
Marcia Amil, com toda a dor do difícil momento, foi de uma clareza
impressionante. Ela criticou os que pretendem se aproveitar de mais uma
tragédia para defender a redução da maioridade penal.
"Nem sei se foram menores, mas sei que Jaime foi vítima de vítimas,
que são vítimas de vítimas. Enquanto nosso país não priorizar saúde, educação e
segurança, vão ter cada vez mais médicos sendo mortos no cartão postal do país.
E não só médicos, afinal, morrem cidadãos todos os dias em toda a cidade, não
só na Zona Sul".
Inútil a discussão estéril (e
apenas com o foco na Segurança Pública ou na Justiça) que, cotidianamente, assistimos
através de uma mídia comprometida apenas com seus interesses e lucros, fazer. O episódio, aliás, é prato cheio para a
propaganda daqueles que pregam a redução da maioridade penal. Se continuarmos a discutir apenas os motivos e
as razões que levaram este jovem a esfaquear barbaramente Jaime Gold, nada
mudará e continuaremos, como bem disse sua esposa, a ver outros tantos cruéis
crimes acontecerem.
Do jeito que as coisas caminham, chegará
o dia que algum gênio da Segurança vai propor que metade da população tome
conta da outra metade. Não vai
adiantar.
Sem querer justificar a barbárie
do crime cometido, mas ao mesmo tempo tentando entender a cabeça da população
pouco abastada e sem as oportunidades e os direitos básicos necessários
atendidos, o estado brasileiro oferece muito pouco a essas famílias e,
portanto, suas vidas pouco ou quase nada valem.
Se nossa classe política e elites partissem dessa lógica, talvez fosse
mais fácil entender o motivo de as nossas vidas, aqui do outro lado do
Apartheid Social Tupiniquim, também valerem tão pouco. Nossa sociedade está doente e esse,
infelizmente, é um dos preços dessa brutal desigualdade.
Abraços Sustentáveis
Odilon de Barros
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