Para Cristovam Buarque, nosso mais proeminente semeador de utopias.
Profícua, mobilizadora e instigante a leitura do novo livro de Cristovam
Buarque (“Reaja”, ed. Garamond, 54 páginas). Um pequeno livro –no formato– mas
“grande” em conteúdo, com uma capacidade ímpar de nos chamar à mobilização em
torno de um único movimento: reação.
O livro é um “convite” para reagirmos frente aos desmandos políticos e
institucionais, frente às desigualdades socioeconômicas, às incoerências do
setor público, à brutal agressão ambiental patrocinada pela sanha consumista
alimentada por produções excessivas, à corrupção em diferentes níveis, a falta
de moral que permeia algumas Instituições do “alto poder” nacional.
Com mais esse livro, Cristovam Buarque promove, na verdade, um
panfleto-manifesto. Uma espécie de “grito de alerta”, um convite/chamado à ação
para a reação, para que não nos acomodemos; para que não deixemos escapar a
arte de sonhar, ainda que sejam sonhos impossíveis, meras quimeras ou tópicas
utopias, mas que, nem por isso, deixam de ser possível realizá-las, dentre
essas, a de transformar o mundo.
A cada página, uma reflexão nos chamando a tomar consciência. A cada
tópico, um especial pedido para que lutemos bravamente na construção de um
mundo melhor, de um meio ambiente que não sofra com o descaso da economia
produtivo-expansiva e possa “respirar” aliviado, sem a pressão exercida por uma
economia do crescimento que destrói para se fazer grande e pujante.
Um convite, um chamado, uma conclamação para que todos lutem, por
exemplo, “contra uma civilização que produz quase setenta trilhões de dólares
por ano, dez mil por pessoa”, mas que, em muitos casos fecha os olhos para as
“crianças com fome, sem roupas, brinquedos, higiene” (p. 9).
O texto brada para que não deixemos de protestar frente aos desmandos de
uma estrutura econômica que destrói a natureza em nome do progresso, em nome de
fazer a economia crescer para assim fazer sorrir o mercado de consumo, de uma
economia que pouco se importa se, para produzir mais mercadorias, rios são
poluídos, o ar é contaminado, os recursos hídricos são escasseados, a
biodiversidade é ultrajada.
Por isso o autor de “Reaja” pede para que não nos acostumemos “com o
fato de que, para acender a luz de sua casa, foi preciso destruir florestas,
expulsar índios de seus habitats, exterminar espécies biológicas e até biomas
inteiros” (p. 10)
O texto de Buarque ecoa como um grito de ordem para que reajamos às
imposições vindas do mercado, consubstanciadas numa economia brutalmente
desigual que separa e não inclui, de uma macroeconomia da injustiça social, de
uma estrutura política perversa e tacanha que, em pleno século XXI, ainda
privilegia quem tem os bolsos e as contas bancárias mais cheias de cédulas ou
influência e apadrinhamentos múltiplos, que apenas nos vê (só em épocas de
campanha eleitoral) como “eleitores”, não como cidadãos.
“Reaja à propaganda que amplia suas necessidades e manipula seus gostos
e gastos” (p.24). Eis aqui um grito contra esse “deus mercado” que nos quer
“converter” à “religião do consumo fácil”, conspícuo (como gostam de dizer os
economistas), regado de futilidades (como observam e nos alertam os filósofos)
“Reaja contra a economia que considera produtos as armas que matam e
comemora o aumento da riqueza medido pelo uso delas” (p. 27). Eis aqui a
estupidez de um indicador chamado PIB que contabiliza de bom grado as mortes,
os terremotos, os desastres automobilísticos, a poluição dos rios, pois tudo
isso faz a economia crescer, faz o PIB disparar e ajuda a eleger (dá votos)
muita gente.
Ao nos chamar à reação contra todos esses desmandos, Buarque deixa
expresso nas páginas de “Reaja” o sentimento de que a vida só tem sentido
quando passamos por ela com o intuito de transformar algo, de não nos
acomodarmos à letargia, mas, antes, de colocarmos mãos na massa para moldarmos
um novo mundo, um mundo diferente, mais fraterno, pautado numa nova maneira de
construir às relações que enlaçam o nosso dia a dia numa perspectiva de
melhoria da qualidade de vida.
Esse “reaja” propagado por Buarque vem nos alertar para o “não se
acostume”, evidenciando que uma eficaz saída para superarmos os mais diferentes
desequilíbrios passa pela mobiliz(ação), pela re(ação) e pela agiliz(ação).
“Não se acostume com o conforto pessoal que vem da concentração de renda
e com o custo de destruição ambiental. Lembre que hoje não nos acostumaríamos
com os privilégios da nobreza ou com a exploração de escravos. E naquele tempo
todos estavam acostumados. Não se acostume agora com o luxo dos ricos ao lado
da miséria dos pobres. Escravocratas são todos os que vivem indiferentes à
pobreza que os rodeia”. (p.36)
Esse “Reaja” se enquadra naquela linha de análise defendida por Leonardo
Boff: “Ideias boas podemos até tê-las aos montes, mas o que de fato move o
mundo são as nossas ações”.
Dito ainda de outra forma por L. Boff, esse “Reaja” de Cristovam Buarque
pode ser assim resumido: “O que convence as pessoas não são as prédicas, mas as
práticas. As ideias podem iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem
em marcha”.
Para sorte de todos nós, a história está repleta de exemplos que
corroboram com o texto apresentado por Cristovam Buarque. De nossa parte, que
não deixemos “escapar” mais essa oportunidade.
* Marcus Eduardo de Oliveira é economista, professor e
especialista em Política Internacional pela Universidad de La Habana – Cuba.
** Publicado originalmente no site Adital.