Por atingir São Paulo e
adjacências com uma brutal falta d’água, a sociedade brasileira está tendo a oportunidade
ímpar de enfrentar de frente - e não paliativamente -, um de seus mais graves
problemas. Ele é ambiental e chama-se
desmatamento da Floresta Amazônica.
Colonizada de maneira
desordenada e irresponsável a partir da construção da rodovia Transamazônica, o
“Pulmão do Mundo” como é conhecida nossa maior e mais importante floresta, vem sendo
destruída de forma voraz e inapelável, há quatro décadas.
Presas fáceis de seus algozes,
árvores não falam, não choram, não conseguem fugir e, como numa guerra, apenas tombam
solitárias. A natureza a qual fazem
parte, sim, as contam e começa a se manifestar através de grandes períodos de
secas e/ou inundações e a nos cobrar a fatura por tamanha irresponsabilidade.
Apesar da falta de senso
público dos governantes paulistas (que por motivos eleitorais somente agora
apresentaram à população um tímido cardápio de propostas para economizar nosso bem
mais precioso), o momento de crise hídrica aguda é propício à discussão do
tema. Mas todo cuidado é pouco. Não podemos nos deixar levar com simplismos
ou superficialidades e perder esta oportunidade. A sociedade civil organizada, partidos
políticos e ONGs, devem exigir do próximo governante, “petralha ou coxinha”, prioridade
absoluta no tratamento do problema. E
ele não é local, é nacional. Com um
porém: se não enfrentarmos o desmatamento, agora, corremos o sério risco de, a
médio prazo, ver o tema nos atropelar e entrar na agenda global. E aí perderemos o controle sobre ele. Ou ela.
Recente trabalho realizado
pelo Greenpeace identificou através de GPS’s colocados em caminhões a rota
criminosa que madeireiras fazem no Pará.
Burlando a lei, de dia se embrenham pela mata em terras públicas onde
carregam os caminhões. Na calada da
noite, são levados até as madeireiras com a carga ilegal retirada de áreas da
União.
Tal caos teve início quando da
aprovação da “Lei de Gestão de Florestas Públicas”, em 2006, que criou uma
espécie de “banco de créditos” de madeira.
E, da noite para o dia, a responsabilidade sobre gestão florestal passou
do governo federal para governos estaduais, que não estavam preparados. Resultado: um crime ambiental sem
precedentes. Um desastre, pois para ser legal a madeira deveria ser retirada de
um plano de manejo florestal sustentável, porém, como não há controle, a farra
é grande e o crime campeia. E compensa,
pois os donos dessas madeireiras trabalhando de forma ilegal e desleal, além de
auferirem lucros exorbitantes, ainda levam vantagem sobre quem trabalha de
forma correta. Pior, sujam o nome de
nosso país no exterior. Agora, ou o
Governo Federal age rápido ou passaremos a ser considerados coniventes com essa
situação. Mais, desacreditados no
mercado internacional, pois grande parte dela vai para o exterior. Certeza apenas uma: a floresta continua
agonizando.
Com 20% de sua floresta
original no chão, área equivalente à soma das terras de França e Alemanha
juntas, a Amazônia está vulnerável pois já não desempenha adequadamente o
trabalho que a mãe-natureza lhe dedicou: bombear para a atmosfera a umidade que
vai se transformar em chuva nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. E quanto maior o desmatamento lá em cima,
menos umidade gerada e menos chuva para encher os reservatórios cá embaixo. Resultado: torneiras secas.
Só para se ter uma ideia, são
20 bilhões de toneladas de água por dia levadas do solo até a atmosfera,
superando em 3 bilhões a vazão do próprio rio Amazonas, o maior do mundo.
Cientistas que estudam as funções da floresta e as variações do clima em nosso
continente afirmam que “nas chuvas que acontecem principalmente durante o
verão, a umidade é oriunda da Amazônia. São essas chuvas que ficam caindo
vários dias que recarregam os principais reservatórios do Sudeste”, diz Gilvan
Sampaio, climatologista do INPE.
Segundo relatório sobre o
futuro climático da Amazônia, conseguido pelo Fantástico a ser divulgado
oficialmente no fim deste ano, desenvolvido em parceria por cientistas do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do INPA, que traça um detalhado roteiro
das chuvas na América do Sul, a extensão da estação seca está se prolongando e
o clima mudando, diz Antônio Nobre, pesquisador do INPA.
De acordo com esse relatório, a
umidade que evapora dos oceanos é empurrada naturalmente pelos ventos para
dentro dos continentes. Uma parte vira
chuva e cai, principalmente, sobre as grandes florestas, na altura do
Equador. O excesso que segue empurrado
pelos ventos, acaba indo para o mar. Um
ciclo que ao redor da Terra só tem uma exceção: a Amazônia.
E o que a torna diferente de
todas as outras florestas equatoriais do planeta é a Cordilheira dos
Andes. Um imenso paredão de 7 mil metros
que impede que as nuvens se percam no Pacífico.
Segundo os cientistas, uma prova inequívoca do papel dos Andes e da
Floresta Amazônica no ecossistema do cone-sul é a inexistência de um deserto na
região. Basta constatar que na mesma
latitude em volta do planeta tudo ao redor é deserto. Menos na América do Sul. O toque final cabe às árvores. Fincadas a até 30 metros de profundidade, as
raízes sugam a água da terra. Os troncos
funcionam como tubos. E, pela
transpiração, as folhas se encarregam de espalhar a umidade na atmosfera. Diariamente, cada árvore amazônica bombeia em
média 500 litros de água.
Ainda segundo os cientistas,
precisaríamos de 145 anos e 50 mil usinas iguais a Itaipu, para fazer o
trabalho que as árvores fazem de graça e naturalmente, explicou Antônio Nobre. Os pesquisadores não têm dúvida: sem a
Amazônia, Minas, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul,
fatalmente seriam desertos também. Esse
imenso fluxo de água pelos ares é chamado de “rios voadores”.
Apesar do bom trabalho desempenhado
por IBAMA, FUNAI, Polícia Federal e Ministério Público, as penas ainda são
frouxas e a legislação, conjugada com a lentidão da justiça em punir
madeireiros, garimpeiros e grileiros ladrões de terras federais, trabalha
contra a floresta. Vivemos uma guerra pela
sobrevivência planetária e como tal ela deve ser encarada.
Imaginar quanto pode custar o
prejuízo causado por tamanho descaso público, não é tarefa fácil. Afinal, quanto custaria os milhares de campos
de futebol que estão sendo queimados agora em vários Parques Nacionais por
conta da seca Brasil afora? E os prejuízos
causados à atividade financeira por conta da falta d’água na maior cidade do país?
E os milhões de metros cúbicos de madeira nobre derrubados e transformados em
carvão para dar lugar à pecuária? E os milhões de hectares de terras
surrupiadas? E os impactos imensuráveis
dos desastres climáticos na natureza? E as espécies que equilibram o
ecossistema amazônico e estão desaparecendo diante de tanto desmatamento? Como calcular tais prejuízos à vida no
planeta?
Sejam hediondos/de lesa-pátria/lesa-humanidade/de
segurança nacional ou qualquer outra tipificação que queiramos dar aos crimes
ambientais que vêm ocorrendo há 40 anos na Amazônia sem que esbocemos qualquer
reação que os impeça de continuar a agir, o importante é aumentar
consideravelmente penas e multas, tornando-os crimes inafiançáveis. Em outra frente, que o judiciário seja ágil
para punir e nós cônscios de que a prática deve cessar imediatamente. Ou
então, irmos para as ruas cobrar.
Diante de tantas evidências e
perigos, caberá ao próximo presidente, com vontade política, transparência e
coragem, preservar, sem medo de retaliações retrógadas de empresários do
agronegócio, a Floresta Amazônica.
Incrementar políticas sustentáveis que a transformem, de verdade, numa
opção viável para a população local (que deverá sempre ser ouvida), identificando
atividades que não a destruam mas aproximem-na
da sociedade como uma joia a ser preservada.
Tão distante como nós,
urbanos, da floresta, parece ser a capacidade de compreender sua importância no
contexto global. Em pleno século XXI,
não custa lembrar que a água, bem a que todos terráqueos deveriam ter acesso,
será muito em breve razão para as mais diversas disputas e conflitos internacionais. Se nos conscientizarmos que tanto floresta
como água são bens finitos, preservar uma pode significar cuidar da outra para
que não falte. Ou seja, se dela
dependemos, por ela deveríamos estar lutando.
Todos.
Caso contrário, num mundo
globalizado, se encarada como Patrimônio da Humanidade, tenho receio que muito
em breve sejamos cobrados por nossa inoperância e incapacidade de resolver
satisfatoriamente a questão, o que é perigoso.
Tê-la como parceira e amiga ao nosso lado, pode ser muito mais útil e
ambientalmente melhor.
Abraços Sustentáveis
Odilon de Barros