A precária condição ambiental dos rios e reservatórios urbanos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro refletem o lado perverso da trágica situação da escassez da água na região Sudeste.
Estamos ficando sem água e com sede em frente a grandes rios e reservatórios poluídos.
Esse é o retrato que a análise da qualidade da água realizada em 111 rios brasileiros, em 5 Estados e no Distrito Federal, monitorados por grupos e voluntários da Fundação SOS Mata Atlântica, estampou nesta Semana da Água.
Em 21 rios, a qualidade medida é péssima. O que significa que essa água está indisponível para o uso e não pode ser sequer captada e tratada para abastecimento público, produção de alimentos ou usos múltiplos. Esses rios e mananciais poluídos estão condenados, com base na legislação vigente, a serem utilizados para diluir esgotos, com baixa eficiência de tratamentos. São os chamados rios de classe 4, enquadrados pela lei com base nos usos preponderantes das suas águas.
Esse é o caso, por exemplo, de rios como o Pinheiros e o Tietê, nas marginais da capital paulista, e do rio Carioca, no Flamengo, que já foi a principal fonte de água potável do município do Rio de Janeiro. Esse rio nasce no Morro do Corcovado, no Parque Nacional da Floresta da Tijuca, e logo que deixa as áreas protegidas recebe grande carga de poluição e desaparece por sete quilômetros – escondido debaixo de ruas e avenidas –, até ressurgir próximo à Baía de Guanabara, praticamente morto, fétido e cheio de lixo.
Embora os resultados desses rios urbanos não surpreendam mais os paulistanos e os cariocas, já acostumados com a paisagem degradante e com o odor de muitos dos seus córregos e rios, fica difícil explicar para um turista estrangeiro, ou para um morador do semiárido brasileiro, que essas capitais, cheias de grandes rios e reservatórios, estão com menos água disponível por habitante que muitos dos municípios do sertão nordestino.
Até mesmo rios importantes, como o Ipiranga, aquele do hino nacional, estão enquadrados na classe 4, destinados a compor duras paisagens urbanas e a diluir esgotos.
Assim como o rio Carioca, o Ipiranga nasce limpo no Jardim Botânico de São Paulo, no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, protegido por uma reserva natural de Mata Atlântica, encravada na zona sul da cidade.
Mas, ao longo dos seus 9 km de extensão, a qualidade da água varia muito. As então margens plácidas foram encaixotadas e recebem efluentes que vêm sendo coletados e tratados lentamente. Em alguns trechos estão sendo implantados parques lineares, mas, na maior parte, ainda corre cercado pela avenida do Estado até desaguar no Tamanduateí, outro grande rio de classe 4, que acaba no Tietê.
Os indicadores medidos reforçam que a conservação da Mata Atlântica junto a nascentes e mananciais é fundamental para garantir água nas cidades. Sem a mata preservada não há água. Porém, água poluída não serve. É preciso que os rios e mananciais tenham a qualidade recuperada, mas não somente daqui a 20 anos.
O rio Jundiaí, no interior paulista, levou 30 anos para sair da condição de classe 4 para 3, com novas estações de tratamento de esgoto e recuperação de matas ciliares, que resultam na melhoria na qualidade de água, que variou de boa para regular ao longo do seu curso de 123 km – da nascente na Serra dos Cristais até a foz no rio Tietê.
Para acelerar a recuperação dos rios urbanos e garantir segurança hídrica para a região Sudeste e demais cidades desse levantamento feito pela sociedade, é urgente aperfeiçoar a legislação que trata do enquadramento dos corpos d´água, acabando com os rios de classe 4. A legislação deve definir, com base nos planos de bacias e em uma agenda estratégica, as metas de qualidade da água que queremos atingir, e não a condição atual dos rios.
Precisamos reconhecer que usar rios para diluir esgotos é a forma mais perversa e absurda de desperdício de água e que combater as fontes de poluição, na origem, a exemplo de países que recuperaram seus grandes rios, pode ser mais rápido e eficiente. SOS Mata Atlântica/Utopia Sustentável
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