Agência Fapesp– Qual a melhor estratégia para enfrentar a
desigualdade social, uma das grandes barreiras para a sustentabilidade global?
Cientistas reunidos no 6º Fórum Mundial de Ciência (FMC), que ocorreu no Rio de
Janeiro, na última quarta-feira (27) sob o tema “Ciência para o desenvolvimento
sustentável”, concordam que um dos caminhos é por meio da redução das
iniquidades em áreas como saúde e educação.
“Precisamos compartilhar o conhecimento científico”, defendeu o
geneticista inglês John Burn, professor de genética clínica na Newcastle University,
no Reino Unido, e um dos colaboradores do consórcio do Projeto Varioma Humano,
iniciativa global criada em 2006, em parceria com a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que visa à redução de
doenças de origem genética por meio do compartilhamento de dados sobre
alterações genômicas.
“O sequenciamento do genoma humano nos permitiu dar respostas.
Conhecemos inteiramente o DNA do homem, mas isso não é a solução. É preciso
saber como interpretá-lo. Todos nós carregamos uma mutação genética, mas o
importante é saber quantas variações podem levar a doenças. Se todos
compartilharem essa informação, podemos reduzir em muito o risco de doenças”,
afirmou o cientista, que em 2009 foi condecorado com o título de Sir pelos serviços
prestados à Medicina.
Burn salientou o quanto a ciência tem se tornado cada vez mais
inclusiva, citando como exemplo o teste de sequenciamento genético. “Há dez
anos, quem podia fazer o seu mapeamento genético? A tecnologia de um teste de
DNA custava US$ 100 mil. Hoje custa cerca de US$ 5 mil”, observou.
Burn lembrou o quanto o teste genético se tornou popular após
ter permitido à atriz Angelina Jolie se livrar do risco de desenvolver um
câncer de mama com uma mastectomia, depois da descoberta de uma mutação
genética hereditária no gene BRCA1. Mulheres com mutação neste gene têm um
risco de 55% a 85% de ter câncer de mama. Com a cirurgia, o risco de a atriz
desenvolver a doença caiu para 5%.
“Angelina Jolie prestou um grande serviço. Mas a mutação que ela
apresentava era conhecida e, portanto, mais fácil de ser detectada. No entanto,
temos que reconhecer que todas as pessoas são diferentes, daí a importância do
compartilhamento de informações. Sobretudo para o Brasil, país de etnias tão
diferentes”, disse Burn.
“Recentemente, tivemos conhecimento de que uma em cada 300
mulheres do sul do Brasil carregavam a mutação R337H no gene p53, responsável
por um em cada 12 casos de câncer de mama. Tal informação pode ser importante
para mulheres do outro lado do mundo. Compartilhar o conhecimento pode salvar
vidas”, disse o geneticista.
No projeto Varioma Humano (HVP) a informação é coletada da
literatura, dos laboratórios ou dos registros dos pacientes e compartilhada
para todo o mundo. Com sede em Melbourne (Austrália), fazem parte do HVP 18
países e o consórcio conta com a colaboração de 1.200 membros em todo o mundo.
O Brasil não faz parte do consórcio.
Saída
pelo capital humano
Se a genética tem se mostrado um instrumento de eliminação de
desigualdades, no Brasil os avanços no campo da educação podem ser relacionados
à crescente inclusão social, afirmou o economista Ricardo Paes de Barros,
secretário de assuntos estratégicos da Presidência da República.
“O progresso na educação brasileira, aliado ao aumento de renda
da população, é o que tem nos permitido reduzir as iniquidades sociais”, disse
Paes de Barros, em sua apresentação no FMC.
Ainda há, no entanto, segundo ele, muitos desafios a serem
superados. “Embora a renda atual tenha aumentado aproximadamente 30% em relação
a 2003, o país ainda enfrenta problemas relacionados à produtividade. E como
podemos ter um país onde os salários aumentam mais que a produtividade?”,
questionou.
Diferentemente do representante brasileiro, a economista chinesa
Linxiu Zhang, vice-diretora do Centro Chinês para Políticas de Agricultura,
assumiu que as desigualdades na China – país que forma com o Brasil, a Rússia,
a Índia e a África do Sul o bloco conhecido como Brics – persistem. “Ainda
falta alcançarmos a equidade no que diz respeito ao capital humano, ou seja, em
relação à educação e à saúde”, disse Zhang.
“Em dez anos, nossa renda aumentou somente 10% e apenas 40% dos
alunos do ensino médio de áreas rurais vão para a universidade. Nossos estudos
também mostram que 40% dos alunos não completam nem sequer o ensino médio”,
afirmou.
De acordo com a economista, “diferentemente de países que, com
sucesso, conseguiram alcançar o status do crescimento com equidade – como
Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Irlanda, Nova Zelândia –, a China segue os passos
de países que alcançaram o crescimento com alto nível de desigualdades – como a
Argentina (nos anos 1950), Venezuela, Brasil e Chile (nos anos 1960/1970) e o
México de hoje em dia”.
Outro tema abordado na mesa da qual participaram John Burn,
Ricardo Paes de Barros e Linxiu Zhang foi a relação entre o aumento
populacional e a desigualdade social. Os cientistas discutiram se o tratamento
igualitário na solução do problema é que vai produzir a igualdade entre as
pessoas ou se é o tratamento diferenciado do problema que vai fazer chegar à
solução das desigualdades sociais. Os cientistas apostam na segunda
alternativa.
“Depende de qual país estamos falando. A taxa de fecundidade no
Brasil está em constante declínio e já se encontra abaixo do nível de
reposição. Ou seja, em alguns anos seremos um país de idosos. Então, dependendo
do país, há de se desenvolver políticas de redução ou de aumento populacional”,
afirmou Barros.
“O tratamento para cada família deve ser diferente, porque elas
têm necessidades diferentes”, avaliou Zhang.
O Fórum Mundial de Ciência 2013 é organizado pela Academia de
Ciências da Hungria em parceria com a Unesco, o International Council for
Science (ICSU), a Academy of Sciences for the Developing World (Twas), a
European Academies Science Advisory Council (Easac), a Academia Brasileira de
Ciências (ABC) e a American Association for the Advancement of Science (AAAS),
com a missão de promover o debate entre a comunidade científica e a sociedade.
Mais
informações: www.sciforum.hu
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Publicado originalmente no site Agência Fapesp.