A mudança climática provocará a perda da indústria pesqueira em comunidades como esta em Granada, que dependem do mar para sua sobrevivência. Foto: Desmond Brown/IPS

Lima, Peru, 5/12/2014 – Há mais de dez anos, Mildred Crawford tem sido “uma voz no deserto”, defendendo as mulheres que trabalham na agricultura. Crawford, de 50 anos, foi criada na pequena localidade de Brown’s Hall, na Jamaica. Estava “transbordando de entusiasmo” com o convite da Organização Mundial de Agricultores (WFO) para integrar a delegação da sociedade civil na 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que acontece em Lima, onde sua voz seria ouvida em um cenário com muito mais repercussão.
Poucos dias após chegar à capital peruana, a alegria de Crawford se converteu em decepção. “Inclusive nos eventos paralelos, não acredito que os representantes dos governos vão ouvir a voz da sociedade civil”, afirmou à IPS. “Se não estão aqui para escutar o que temos a dizer, o impacto será muito pequeno. Já existe uma brecha entre a política e a aplicação que é muito grave porque falamos por falar, mas não praticamos com o exemplo”, acrescentou.
Crawford disse que as mulheres agricultoras não recebem a atenção nem o reconhecimento que merecem, devido ao seu papel na alimentação de suas famílias e da população em geral. “Nossas agricultoras armazenam sementes. Se ocorre um furacão e os recursos escasseiam, compartilham o que têm entre si para que a agricultura se renove”, explicou.
A WFO reúne 70 organizações de agricultores e cooperativas agrícolas de aproximadamente 50 países. Sua delegação em Lima é um ensaio para sua participação no ano que vem na COP 21, em Paris. Um de seus objetivos é divulgar o papel que tem a agricultura de pequena escala na adaptação e mitigação das alterações climáticas, e que as negociações da CMNUCC em 2015 assim o reconheçam. As negociações na capital francesa estão destinadas a acordar um tratado juridicamente vinculante que limite as emissões de gases-estufa.
Diann Black Layne representa os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (Peid) e também é embaixadora de Antiga e Barbuda para a mudança climática. A adaptação, as finanças, as perdas e os danos lideram a lista de temas que esse grupo de países quer abordar no médio prazo. “Muitos de nossos países em desenvolvimento gastam seu próprio dinheiro na adaptação”, apontou à IPS.
Os Peid já estão muito endividados com “dinheiro emprestado” de seus orçamentos nacionais, que são obrigados a utilizar para “financiar seus programas de adaptação e recuperação de fenômenos meteorológicos extremos. Assim, ter de pedir emprestado mais dinheiro para a mitigação é complicado”, ressaltou Layne.
A secretária-executiva da CMNUCC, a costarriquenha Christiana Figueres, concorda com que esse tipo de compromisso dos países em desenvolvimento deva ser reforçado com fundos internacionais destinados ao clima, em particular para os mais vulneráveis.
Segundo Figueres, “não há dúvidas de que é preciso aumentar os fundos para a adaptação. Está muito claro que essa é a urgência entre a maioria dos países em desenvolvimento, para cobrir realmente seus custos de adaptação. Muitos países estão colocando seu próprio dinheiro na adaptação porque não têm outra opção. Não podem esperar por um acordo em 2015 nem podem esperar que o financiamento climático internacional chegue a eles, por isso já estão fazendo com seu próprio bolso”.
“Nesta COP 20 nos centramos em temas financeiros de danos e prejuízos”, explicou Layne. “Em nossa região isso incluiria a perda da indústria pesqueira e da concha. E, mesmo se nos limitarmos a um aquecimento de dois graus, perderemos essas duas indústrias, por isso agora estamos negociando um mecanismo que nos ajude na adaptação dos países”, acrescentou.
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Mildred Crawford, agricultora na Jamaica, participa em Lima de sua primeira cúpula internacional sobre o clima. Foto: Desmond Brown/IPS

Na região da Comunidade do Caribe, a população é extremamente dependente da pesca para seu desenvolvimento socioeconômico. Esse recurso também contribui para a segurança alimentar, redução da pobreza, o emprego, a renda em divisas e a estabilidade das comunidades rurais e costeiras, bem como a cultura, o lazer e o turismo.
O subsetor proporciona emprego direto a mais de 120 mil pescadores e trabalho indireto a milhares de outras pessoas, especialmente mulheres, no processamento, na comercialização, construção de barcos, confecção de redes e outros serviços de apoio. Em 2012, o valor da indústria da concha, somente em Belize, foi avaliado em US$ 10 milhões.
Um estudo, apresentado no dia 3 aos governos reunidos em Lima, diz que atualmente há centenas de milhares de milhões de dólares em financiamento climático em todo o planeta. O informe, que inclui um resumo e recomendações do Comitê Permanente de Finanças da CMNUCC e um informe técnico, é o primeiro de uma série, que reunirá dados sobre os fluxos financeiros de apoio à redução de emissões e à adaptação dentro dos países, mediante o apoio internacional. Essa avaliação calcula que o financiamento climático mundial esteve entre US$ 340 bilhões e US$ 650 bilhões anuais para o período 2011-2012.
“Parece que o financiamento climático está fluindo, não exclusivamente, mas com prioridade, para os mais vulneráveis”, afirmou Figueres. “Essa é uma parte muito, muito importante desse informe porque é exatamente como deve ser. Devem ser a população mais vulnerável, os países mais vulneráveis e as populações mais vulneráveis dentro dos países a receberem o financiamento climático com prioridade”, ressaltou. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável