A foto que está circulando pela internet de um médico negro de Cuba
sendo vaiado por jovens brancas de jaleco branco em Fortaleza é ilustrativa do
significado da insana luta a que se dispuseram muitos de nossos doutores. Eles
não estão lutando pela saúde da população, mas pelos seus interesses mais
mesquinhos. E por isso não aceitam que um negrão cubano, que se brasileiro
fosse serviria pra catar suas latas de lixo num caminhão de coleta ou ainda
carregar fardos de carga num armazém, venha para o Brasil ocupar um espaço que,
inclusive, ele não deseja.
Boa parte da argumentação dos médicos que têm radicalizado no discurso
xenófobo contra os que aceitaram trabalhar nos cantões do Brasil é a de que
eles estudaram muito para conseguir passar num vestibular. E que os
estrangeiros não. Que eles pagaram caro pelo curso. E que os estrangeiros não.
Que eles investiram na carreira para ter retorno futuro. E que com a vinda dos
estrangeiros isso está em risco. Este argumento final é o verdadeiro x da
questão. Boa parte dos nossos médicos decidiram ser médicos para permanecer num
patamar restrito da elite. Mas talvez não se deem conta de que esse
corporativismo é a base da morte de milhares de brasileiros pobres e
miseráveis.
Eles não são contra apenas os médicos estrangeiros ou de Cuba, mais
especificamente. Eles também são contra a criação de novas faculdades de
medicina. Os conselhos vivem desqualificando as iniciativas do governo pra
criar novos cursos.
Ou seja, a foto que está ilustrando este post é significativa para
pensar o país que queremos. Se queremos um Brasil da inclusão, onde seja algo
normal ser atendido por médicos negros que não sejam cubanos. Se queremos um
Brasil onde estrangeiros sejam recebidos com respeito. Se queremos um Brasil
onde saúde seja um direito de todos. Ou se preferimos viver num país de brancos
de jalecos brancos que exigem ser chamado de doutores exatamente porque se
acham acima daqueles que deveriam tratar com respeito e dignidade.
O interesse de uma corporação não pode estar acima dos interesses de
toda a sociedade. E os médicos que estão nas ruas vaiando os seus colegas
cubanos nunca estiveram nas ruas lutando por melhorias na área da saúde. Os que
estiveram e estão nesta luta por um sistema único de qualidade, por exemplo,
não se dignam a participar de um papelão desses.
Essa foto fica pra história, como a daquelas dos navios negreiros. Mas
neste caso, pelo seu inverso. Porque negros de Cuba aceitaram vir pra cá contribuir
pra melhorar a vida de outros negros e brancos pobres. E foram açoitados pelas
vaias de brancos e brancas que se lixam pra vida dessa enorme parcela da
população. Porque eles são da Casa Grande. E a Casa Grande sempre se locupletou
com a péssima qualidade de vida da senzala. por Renato Rovai*