segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O preço da estupidez


Morei na Itália no início do novo milênio.  Cidadão ítalo-descendente, vivenciei de perto as agruras daqueles que imigram por conta da fome, guerras e falta de trabalho. Duplo-cidadão originário da Região Basilicata (*), não raro ouvia adjetivos pejorativos travestidos de brincadeiras, e que na verdade escondiam xenofobia e preconceito.  E olha que era um deles.

Certamente esse não é um problema italiano, mas europeu, do Planeta Terra e desse estúpido capitalismo selvagem (e falido) que nos é imposto pela ordem econômica vigente.  Um sistema que permite que 80 terráqueos, apenas 80, tenham mais dinheiro que metade dos habitantes de todo o Globo Terrestre.  É possível parar e pensar o quão louco é este número que acabei de escrever?

Ainda sobre aquele período, presenciei a inoperância do sistema oficial diante de verdadeiras legiões de africanos e europeus do leste que se deslocavam em busca de um futuro melhor se sujeitando a trabalhar até catorze horas por dia em troca de comida e um lugar para dormir.  Cansei de ver lindíssimas meninas romenas, moldavas e albanesas vendendo flores e até seus corpos juvenis em sinais.  Um círculo vicioso difícil de sair, mas ainda assim muito melhor do que suas duras realidades regionais.




Para fugir de encargos trabalhistas muitos patrões começaram a empregar extra comunitários (**), que além de ganhar bem menos que os italianos, ainda trabalhavam no “Nero” (***).  Em maior ou menor grau isso acontece na grande maioria das nações do velho continente e é o preço a ser pago por todos os sistemas e países que sempre optaram pela obtusidade de políticas econômicas míopes que só enxergam cifrões em detrimento do ser humano. 

O tempo passou e de lá para cá ingredientes não faltaram para o problema se alastrar e tornar-se epidêmico. 

O caminhão frigorífico com dezenas de corpos em estado parcial de decomposição no baú, encontrado essa semana em uma estrada da Áustria, próximo à fronteira da Hungria, justo no dia da abertura da Cúpula dos Bálcãs Ocidentais, que tratará, entre outras coisas, da crise migratória, é uma vergonha para a humanidade, para o mundo moderno.

Tentar prender o motorista do caminhão ou seu chefe, é não enxergar o óbvio, tapar o sol com peneira.  Nesse imenso circo dos horrores em que se transformaram essas viagens desesperadas de quem não tem mais nada a perder, arriscar a vida é apenas um detalhe.  Traficar pessoas e despejá-las onde der, faz parte do jogo.  Negócio capitalista dos bons. 

Inútil dizer que discursos pregando a necessidade de desenvolver os países não membros da UE e hipócritas como o de Angela Merkel, de que traficantes de seres humanos não se preocupam com vidas, são cortinas de fumaça para nada se fazer. 

Importante lembrar que faz pouco mais de um mês a mandatária alemã e essa mesma União Europeia, colocaram de joelhos, mais uma vez, a Grécia e seu povo, ao firmarem um acordo que o tempo se revelará impagável.

Enquanto os países ricos não se conscientizarem que jamais terão paz com tamanha desigualdade, cada vez mais veremos sociedades e povos encontrando suas próprias saídas para sobreviver.  E elas nem sempre serão boas (ou pacíficas) para nós. 


Se quisermos realmente avançar enquanto sociedade, já será um bom começo enxergar não haver diferença entre nações que impõem políticas econômicas desumanas a seus povos e os traficantes que enricam se aproveitando do desespero alheio.  Afinal, em ambos os casos os beneficiários finais não enxergam apenas o desejo pelos cifrões em detrimento do ser humano?

Semana que passou, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, esteve no Rio para uma conferência.  Em seu discurso, para uma plateia repleta de estudantes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, falou sobre a importância da integração dos povos.  E, com inteligência e clareza, em uma única frase definiu o que o mundo tanto necessita.

“Precisamos pensar como espécie, não como países. Os povos da África não são da África, são nossos. Os que morrem tentando atravessar o Mediterrâneo são nossos.  Sem solidariedade, não há civilização”. 

Viva Mujica.

(*) – Basilicata – Região localizada no sul da Itália;
(**) -  Extra Comunitários – Cidadãos nascidos fora da comunidade europeia;
(***) - Nero – Salário pago a trabalhadores italianos fora das regras oficiais e sem a incidência de impostos.

Abraços Sustentáveis


Odilon de Barros  

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