Os territórios indígenas na Amazônia armazenam mais da metade de todo o carbono existente na selva, mas trata-se de um serviço ambiental ameaçado por estradas, expansão da mineração, agricultura e extração de petróleo e madeira. Esse risco foi um dos temas da conferência científica Nosso Futuro Comum Sob a Mudança Climática, que reuniu cerca de dois mil especialistas e pesquisadores, entre os dias 7 e 10 deste mês, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris.
Foi o maior encontro científico antecedendo a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá nesta cidade em dezembro. Dessa cúpula deve sair um novo tratado universal e vinculante para enfrentar o aquecimento global.
O estudo Carbono Florestal na Amazônia: a Contribuição não Reconhecida dos Territórios Indígenas e de Áreas Naturais Protegidas, encabeçado pelo Centro de Pesquisa Woods Hole, recomenda incluir esse aporte no mapa do caminho para as ações de mitigação e adaptação à mudança climática.
A bacia, com a maior floresta tropical do mundo, é compartilhada por oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, e engloba cerca de seis milhões de quilômetros quadrados. A pesquisa incluiu o território da Guiana Francesa, adjacente à bacia e também com selva tropical.
Mais da metade (52%) da região está protegida por povos indígenas, que somam um milhão de habitantes em 2.344 territórios, e pelas 610 áreas de conservação, segundo o informe, que também é assinado pelo peruano Instituto do Bem Comum e pela equatoriana Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, entre outras instituições.
No total são 4,1 milhões de quilômetros quadrados, um volume de carbono retido semelhante ao da República Democrática do Congo e da Indonésia em conjunto. É parte dos serviços ambientais prestados pelas florestas tropicais, ajudando a estabilizar o clima. Segundo Alessandro Baccini, cientista associado ao Centro Woods Hole que liderou o estudo, os territórios indígenas armazenam 11 vezes mais carbono do que qualquer outra área na Amazônia, seja privada ou gerida pelo governo.
“Ninguém sabia de fato quanto carbono se armazenava nos territórios indígenas e isso era justamente o que os povos queriam saber. Eles afirmam que a selva é seu lar, sua vida, onde encontram seus medicamentos, seus alimentos e, por isso, têm a necessidade de preservá-la”, explicou Baccini à IPS. “Constatamos que 14% dos territórios indígenas ainda não estão legalizados oficialmente e isso contribui para que o sequestro de carbono corra perigo”, apontou.
Baccini e sua equipe buscaram quantificar a ameaça representada pelo avanço de projetos de infraestrutura e por outras atividades econômicas na Amazônia. Foi constatado que até um terço do carbono armazenado pode escapar por causa da mineração e da construção de hidrelétricas e estradas. O custo estimado para legalizar os territórios indígenas e as áreas de proteção natural varia entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões, segundo o estudo.
Os projetos hidrelétricos geram impactos no clima da região, como fatores de mudança nas chuvas, destacou Baccini. No Brasil, 11 das 30 centrais hidrelétricas planejadas na Amazônia até 2023, segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia, estarão localizada a 40 quilômetros de terras indígenas. As 232 novas linhas de transmissão de eletricidade, que somam 41 mil quilômetros de extensão, afetarão pelo menos oito reservas indígenas.
A degradação ambiental é outra ameaça imediata ao ecossistema tropical e pode impulsionar mudanças climáticas na região. Segundo Baccini, “o desmatamento é o fator principal para a emissão de carbono na Amazônia e os projetos de infraestrutura acrescentam outras causas dessas emissões”.
O responsável pelo programa de mudança climática e água do canadense Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento, Mark Redwood, destacou que os grandes projetos na selva, especialmente os vinculados à mineração, consomem muita energia. “Sempre que um grande investidor impulsiona esse tipo de projeto, é preciso considerar os custos para o clima. São investimentos que representam um risco climático”, acrescentou.
O professor e pesquisador brasileiro Carlos Nobre, membro do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), apontou a construção de estradas como um dos principais fatores do desmatamento. “Devastar não é política de desenvolvimento, não há nenhuma correlação entre desmatar e promover crescimento econômico. O problema ocorre quando estradas servem com vetor do desmatamento ilegal. É preciso adotar políticas públicas para coibir essas ações”, afirmou à IPS.
O aumento da temperatura de um grau centígrado já é perceptível em toda a Amazônia, admitiu Nobre. “O IPCC afirma que os extremos que estão ocorrendo na selva já podem ser indícios da mudança climática. Em dez anos houve duas fortes secas e três períodos de chuva excessiva, o que já pode ser um reflexo das mudanças”, acrescentou. Nobre disse também que as precipitações poderão se concentrar no oeste da bacia amazônica, enquanto o leste deverá sofrer secas prolongadas e, possivelmente, mudar seus ecossistemas de florestas tropicais para o de savana.
A relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, também expressou, durante a conferência científica de Paris, seu temor pelo avanço dos grandes projetos de infraestrutura perto dos territórios originários. “Estou muito preocupada com as obras na Amazônia, porque podem violar os direitos dos povos”, declarou.
Tauli-Corpuz afirmou que se deve considerar o conhecimento tradicional dos povos indígenas no momento de definir estratégias e ações para adaptação às mudanças do clima. “Os indígenas contribuem significativamente com a manutenção dos ecossistemas, e agora podem apresentar soluções para os problemas que enfrentamos. Seus conhecimentos podem permitir que nos adaptemos às mudanças que estão ocorrendo”, pontuou à IPS.
Segundo a relatora, o reconhecimento dos direitos indígenas e de suas terras se estende também à sua capacidade de ajudar a enfrentar desafios da mudança climática. “Eles são os mais vulneráveis à mudança climática, pois vivem em ecossistemas frágeis. E não estão sendo considerados pela ciência”, assegurou. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável
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