Poucos países não foram salpicados pelos documentos vazados este mês pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (Icij). Os chamados Panama Papers (Papéis do Panamá) revelam que há cerca de 12 chefes de Estado, alguns no cargo e outros não, entre os 143 dirigentes políticos, familiares e pessoas próximas que utilizaram paraísos fiscais de forma secreta.
O Icij divulgou, no dia 3 deste mês, documentos que revelam obscuros e secretos acordos financeiros envolvendo algumas conhecidas figuras endinheiradas, além de outras em cargos de poder. O escândalo mostra as verdadeiras vítimas do sistema financeiro global, e não são os amigos de nenhum primeiro-ministro. As desigualdades econômicas seguem prejudicando e atentando contra o progresso e a coesão social.
A organização Oxfam calculou, em 2015, que algumas das 62 pessoas mais ricas concentravam tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões mais pobres. Para combater a desigualdade, o Fórum Econômico Mundial identificou algumas soluções que incluem educação, reformas das políticas tributárias e de bem-estar social, bem como desenvolvimento da força de trabalho. São alternativas reais e fundamentais para milhares de milhões de pessoas.
Para reduzir a brecha entre privilegiados e desfavorecidos, a elite global deve saldar algumas velhas dívidas. ATax Justice Network (Rede de Justiça Tributária)estima que as pessoas mais ricas concentrem entre US$ 21 trilhões e US$ 35 trilhões de valores que não pagam impostos.O extraordinário número de governantes envolvidos nos Papéis do Panamá reflete o alcance da corrupção existente nos governos em escala local e nacional.
Os bilhões de dólares roubados ou escondidos das autoridades fiscais pelas figuras públicas envolvidas, e às vezes ambos, são os que faltam para estradas, escolas e saúde pública. Não só os ricos ficam mais ricos, mas os pobres sofrem uma opressão sistêmica.Quando o Estado não pode ou não atende as necessidades básicas dos setores mais vulneráveis, a criminalidade prospera. As organizações criminosas podem se transformar nos principais fornecedores de serviços sociais, e acabam criando raízes nas comunidades a ponto de ganharem a confiança da população e se infiltrarem no governo local.
Assim, funcionários mal pagos ficam vulneráveis e cedem à tentação da corrupção, pois os Estados sem dinheiro não podem lhes pagar o que ganham com os subornos.O Banco Mundial estima que cerca de US$ 1 trilhão são destinados todos os anos ao pagamento de subornos. Não podemos nos permitir continuar ignorando a corrupção, que representa aproximadamente 5% do produto interno bruto anual, em torno de US$ 2,6 trilhões, quase 20 vezes mais do que os US$ 134,8 bilhões destinados à assistência oficial ao desenvolvimento.
Os leitores deste artigo podem não estar entre as 62 pessoas mais ricas, mas têm acesso a educação, internet e imprensa gratuita, que é mais do que têm mais de bilhões de pessoas no mundo.Devemos reconhecer e defender o jornalismo que expõe e denuncia as grandes desigualdades e injustiças. Não podemos dar como certas as liberdades e as oportunidades que temos.
Além disso, devemos lutar, não pelo que temos, mas pelo que merecemos, e, para começar,“pela honestidade, a transparência e a integridade de nossos governantes”, o que levou Birgitta Jónsdóttir, uma manifestante da Islândia, a cobrar uma mudança.Ela não é a única descontente. Os protestos continuaram nesse país europeu, mesmo depois da renúncia do primeiro-ministro Sigmundur Davið Gunnlaugsson, dois dias depois de surgir o escândalo dos Papéis do Panamá e se conhecer seus investimentos em paraísos fiscais.
Na África do Sul, a população continua protestando pelos negócios em que estão envolvidas suas autoridades e suas famílias e, agora que os Papéis do Panamá revelaram a participação do sobrinho do presidente Jacob Zuma em contratos petroleiros na República Democrática do Congo, as manifestações continuarão.
Os cidadãos que gozam da liberdade de realizar protestos pacíficos devem lutar pela transparência para os milhares de milhões de pessoas que não podem erguer sua voz.
As próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos deverão ser analisadas de uma nova perspectiva, com a informação apresentada pelos Papéis do Panamá. Os candidatos procuram se distanciar de Washington e seus enredos institucionais, mas os eleitores devem começar a reclamar que, em troca, se afastem dos duvidosos fundos que financiam suas campanhas.
O sistema de financiamento das campanhas eleitorais nos Estados Unidos deixa muitos vazios legais, que permitem às corporações e fundações esconderem milhões de dólares, não muito diferente dos paraísos fiscais que ocultam bilhões de dólares para dirigentes políticos e empresariais.
Mesmo em um país tão rico como os Estados Unidos, 15% da população é pobre. O custo dos serviços sociais que frequentemente se considera inviável é ínfimo ao lado dos trilhões de dólares escondidos por meio da evasão fiscal. Até onde se sabe, não há nenhum dirigente político norte-americano implicado nos Papéis do Panamá, mas os documentos vazados dão aos eleitores a possibilidade de reavaliar o sistema econômico e político de seu país.
Para os que não têm bilhões de dólares no bolso, ainda resta uma ferramenta preciosa: nossas vozes. Devemos erguer a voz por meio da imprensa e nos expressarmos mediante os processos eleitorais para garantir a transparência de nossos governos.
Os Papéis do Panamá são como uma caderneta de qualificações global, e há muitos dirigentes políticos e institucionais com nota ruim. Que esta informação nos faça, a todos, lutar sem trégua por processos políticos justos e transparentes em todas as partes. Envolverde/IPS
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