As reservas naturais de conservação voluntária de entidades privadas da América Latina devem ser assumidas como aliadas das políticas ambientais, da mitigação frente à mudança climática e da preservação da biodiversidade biológica nas florestas tropicais, segundo especialistas. “As reservas privadas da América Latina não estão incluídas nas políticas de conservação, mas é preciso integrá-las nas estratégias nacionais”, afirmou o vice-presidente de políticas de conservação da organização não governamental Conservação Internacional (CI), Carlos Manuel Rodríguez.
Rodríguez, que foi ministro de Ambiente, Energia e Minas da Costa Rica entre 2002 e 2006, fez essa afirmação perante 150 ambientalistas, promotores da conservação voluntária e empresários do ecoturismo, durante o XI Congresso Latino-Americano de Redes de Reservas Privadas, realizado na reserva turística de Punta Leona, entre os dias 9 e 12 deste mês.
Para Rodríguez, o setor privado deve ter um papel mais protagonista. Os governos e os proprietários de áreas naturais privadas deveriam trabalhar juntos para o cumprimento das chamadas Metas de Aichi sobre Biodiversidade, estabelecidas em 2010 na cidade japonesa de Nagoya. Naquela oportunidade, por ocasião da 10ª Conferência das Partes do Convênio sobre a Diversidade Biológica, 193 membros da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceram 20 metas para lutar contra a perda de biodiversidade até 2020.
“Estamos perdendo nosso capital natural em razão da mudança climática e da grande brecha que há entre a conservação privada e a pública. Os proprietários de reservas particulares devem se tornar atores políticos para ajudar a cumprir as Metas de Aichi”, ressaltou Rodríguez. O custo mundial para financiar essas metas é estimado entre US$ 150 bilhões e US$ 440 bilhões por ano, segundo dados do próprio Convênio. No entanto, atualmente, segundo cálculos da CI, o mundo investe apenas US$ 45 bilhões.
Por isso, segundo Rodríguez, a conservação privada pode ajudar a paliar o déficit de recursos. Com essa finalidade, foi formalizada, no dia 6 deste mês, a Aliança Latino-Americana de Reservas Privadas, a primeira de seu tipo no mundo, que, segundo seus cálculos, aglutina 4.345 reservas particulares de 15 países, com um total de 5.648.000 hectares de áreas verdes.
“A ideia é formar uma cadeia em conservação. As áreas privadas podem fazer o encadeamento dos parques nacionais e engrandecer os sistemas nacionais de conservação. Também são um mecanismo para absorver as mudanças drásticas do clima”, ponderou à IPS o guatemalteco Martin Keller, presidente da nova federação. Para ele, não deveria haver fronteiras para as reservas privadas na região. “Estamos nos unindo em algo grandioso e formalizando associações com órgãos internacionais para que nos incluam nos projetos ambientais”, afirmou.
Durante o congresso na Costa Rica foi anunciado um programa-piloto para incentivar a venda de bônus de carbono, com a doação de 200 hectares por parte de uma associada da Aliança, que contará com estimadas 3.600 toneladas de carbono. Keller espera que, a partir de 2017, a América Latina comece a vender carbono em bloco. “Temos sonhos e uma paixão por conservar a natureza. Queremos que a venda de carbono seja um mecanismo de conservação privada em nível mundial”, destacou à IPS o presidente da Rede Costa-Riquenha de Reservas Naturais, Rafael Gallo, o doador dos 200 hectares para o plano-piloto.
Na margem do rio Pacuare, na vertente atlântica da Costa Rica, Gallo possui uma propriedade de 800 hectares – dos quais 700 constituem uma reserva florestal – em Siquirres, 85 quilômetros a leste de São José, nas proximidades do Parque Nacional Barbilla, que integra a Reserva da Biosfera La Amistad. “O mercado ainda está começando e a tonelada de carbono é cotada a US$ 3”, contou Gallo, para quem o mecanismo somente será viável quando o preço da tonelada chegar a US$ 10.
Os países que integram a Aliança são Argentina, Belize, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai e Peru. Uruguai e Venezuela também têm reservas privadas, mas ainda não formaram redes locais, passo necessário para se integrarem. Keller afirmou que ambiciona incluir todo o hemisfério, inclusive os países caribenhos insulares, o Canadá e os Estados Unidos.
As reservas privadas querem se beneficiar de programas de organismos multilaterais, e para isso iniciaram contatos com os órgãos da ONU vinculados de uma maneira ou de outra a temas de conservação, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outros.
“Queremos ser um bloco regional, sermos ouvidos em nível internacional e que haja incentivos aos proprietários para continuarem apoiando a conservação em conjunto”, afirmou à IPS Claudia García de Bonilla, diretora-executiva da Associação de Reservas Naturais Privadas da Guatemala. “Isso porque o impacto que teremos como bloco será maciço”, acrescentou.
As áreas de conservação voluntária podem ser de empresários do ramo do ecoturismo, instituições acadêmicas, de pesquisa ou de produção agrícola orgânica. Somam-se às áreas públicas de conservação e seus promotores as definem como escudos verdes diante dos extremos climáticos e da queda da biodiversidade. “A floresta segue como esponja, absorvendo as tempestades e os furacões. Temos que continuar aumentando nossos corredores ecológicos”, enfatizou Bonilla.
O representante de áreas verdes privadas no Chile, Mauricio Moreno, destacou benefícios que as reservas naturais de proprietários individuais, ou organismos privados, podem proporcionar em uma visão global de conservação. “Essas áreas são um refúgio protegido com muita vontade e muito esforço. É um complemento da rede pública. Há reservas vizinhas a parques nacionais que geram áreas muito maiores, permitindo a proteção de espécies animais. Com esforço público e privado se consegue avançar para uma conservação integral”, afirmou à IPS.
Segundo a engenheira de recursos naturais renováveis da Universidade do Chile, Ariane Claussen, o orçamento destinado às áreas protegidas públicas na região é insuficiente, o que diminui a capacidade dos Estados de atuarem sozinhos na preservação da biodiversidade. “Mais do que ver as reservas privadas como independentes, é preciso vê-las de forma integrada. Se essas pessoas não decidissem conservar, estariam dando outro tipo de uso à sua terra, como monocultura ou pecuária não sustentável”, apontou à IPS. Mas suavizou dizendo que “os proprietários dedicam uma pequena parte de suas terras ao desenvolvimento econômico, como o turismo, porque precisam de uma renda”.
Claussen, junto com seu colega chileno Tomás González, destacou a iniciativa latino-americana Huella, destinada a colaborar de forma voluntária em ações de planejamento técnico por meio de conservação, educação ambiental e ativismo ecológico na região. Em sua opinião, as reservas privadas cobrem deficiências do Estado. “A ideia é que colaborem com a conservação sendo áreas de amortização e integrem ecossistemas de áreas públicas protegidas que estão isoladas e fragmentadas”, acrescentou.
O negócio do carbono
Cada um dos bônus de carbono, formalmente denominados Reduções Certificadas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, corresponde a uma tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente, gerada durante a execução de um projeto e negociada no mercado do carbono, uma vez confirmada a redução.
São comprados por países industrializados para cumprirem suas metas de redução de emissões, mediante o financiamento de capturas dos gases-estufa em países do Sul em desenvolvimento. Com esse polêmico mecanismo, a redução da emissão é creditada ao país financista, o que barateia o custo de cumprir seus compromissos dentro da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
Considera-se que esse mercado ajuda a estabilizar a emissão de gases-estufa, beneficia as empresas que diminuem voluntariamente sua emissão no país de origem do bônus e obriga as empresas e os países que excedem suas cotas a pagarem mais. Envolverde/IPS
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