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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Comida desperdiçada e a pobreza crescendo



Quando chegarão as políticas capazes de mudar esse panorama universal?
Nas últimas semanas têm sido muito frequentes na comunicação e nas cartas e artigos de leitores manifestações sobre uma foto estampada em jornais de um menino brasileiro sentado numa cadeira, com o rosto ensanguentado e as roupas rasgadas, após haver ficado debaixo das ruínas de sua casa que desabara – a própria imagem da desolação e da impotência. Nos mesmos dias, outra notícia informava (O Popular, 19/8): a milhares de quilômetros, na Colômbia, autoridades de Bogotá “disseram que a chuva torrencial que caiu na cidade na madrugada de ontem arrastou ao menos 30 moradores de rua que dormiam em duto de esgoto” – a morte nas cloacas, no mundo povoado de pobreza e de notícias tristes.desperdcio_de_alimentos
Que fazer? O Brasil precisa (Estado, 18/5) de mais US$ 7,2 bilhões ou R$ 25 bilhões extras por ano para acabar com a pobreza até 2030. O mundo precisará de US$ 10 trilhões (ou mais de U$S 600 bilhões por ano) para a mesma tarefa, em 15 anos. Mas não há recursos disponíveis, lá e cá, para prover os direitos sociais, criar emprego e renda, etc. O Brasil está em sexto lugar entre os países que mais precisam de recursos para tarefas como essas (em primeiro lugar, a Índia, com US$ 61 bilhões anuais; em segundo, a China, com US$ 37 bilhões; em terceiro, a Nigéria, com US$ 36 bilhões; depois, a Etiópia e a Indonésia).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “a pobreza nos países em desenvolvimento está aumentando”, em 1950 viviam com menos de US$ 1,90 por dia cerca de 47% da população mundial, em 2012 eram 15%. “Mas o progresso é frágil: 40% dos africanos vivem na pobreza; e nos próprios países ricos a pobreza também aumentou; 30% da população mundial tem apenas 2% da renda total”. No Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a proporção de pobres caiu de 23,4% em 2001 para 7% em 2014; 26,3 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza: eram 40,5 milhões e baixaram para 14,2 milhões em 12 anos E para assegurar US$ 3,1 por dia seriam necessários 0,3% do produto interno bruto; para garantir renda diária de US$ 5 a todos o Brasil precisaria ampliar os gastos sociais para US$ 23,2 bilhões anuais, ou 2% do PIB nacional.
Estamos longe, com a taxa de desemprego em 11%, com possibilidade de aumentar até o fim de 2016. Menos de 40% da renda da camada mais pobre da população vem de trabalho remunerado, lembra Guy Ryder, diretor da OIT (Estado, 19/5). Mas no ano passado 343 mil famílias deixaram o programa Bolsa Família por haverem aumentado sua renda (MDS, 12/5); 261,3 mil reduziram o benefício, pela mesma razão; 467,1 mil não se recadastraram. A bolsa contempla 14 milhões de famílias com renda média de R$ 163,57, que significa no total R$ 2,3 bilhões mensais. Entre os beneficiados, 10 milhões de pessoas, ou 5% da população (Estado, 28/4) . Apesar de nossos problemas sociais serem muito maiores que os de países “desenvolvidos”, nossos gastos sociais são menores (edivanbatista@yahoo.com.br, 21/7). Aplicamos 21,3% do PIB em 2013, por exemplo, quando a Alemanha aplicou 27,1% e a Suécia, 29,8%.
Resultado importante é o que mostra (Pnad 2014) que vem caindo desde 2003 o número de famílias da zona rural em situação de pobreza e pobreza extrema (renda mensal até R$ 77), abaixo da meta dos Objetivo do Desenvolvimento Sustentável, que é de 3% (MDS, 20/11/15). Dado preocupante, porém, é o de que a taxa de desemprego entre jovens da Grande São Paulo está em 36% (Estado, 27/6), quando o desemprego médio na área está em 16%. O desemprego total no País anda pela casa dos 11%; e quase metade desses desempregados é constituída de jovens (Estado, 27/6). A concentração da renda é evidenciada pelo fato de os 10% mas ricos da população deterem, em 2014 (O Popular, 7/5), 38% da renda tributável e 39% dos bens e direitos líquidos totais. A vulnerabilidade dos mais pobres é apontada pelo professor Ladislaw Dowbor: 19% da renda familiar é destinada ao pagamento de dívidas (terra.com.br).
Em abril último a Assembleia-Geral da ONU decidiu criar (FAO, 4/4) o Decênio de Ação sobre a Nutrição, já que 800 milhões de pessoas no mundo passam fome e mais de 2 bilhões sofrem com deficiência de nutrientes; 159 milhões de crianças com menos de 5 anos têm déficit no crescimento; 50 milhões estão abaixo do peso recomendável, enquanto na população geral 600 milhões são obesos. Nesta mesma hora, diz o site Oxfam (21/1) que a concentração da renda continua a aumentar; 62 pessoas têm tanto capital quanto a metade mais pobre da população mundial. Mas há dados diferentes. O Departamento de Informação Pública da ONU relata que 13% da população mundial vive em extrema pobreza e 2,4 bilhões não dispõem de saneamento adequado – embora as pessoas em pobreza extrema tenham diminuído mais de 50% desde 2002 e a mortalidade materna tenha diminuído 44%; a mortalidade de crianças baixou mais de 50%.
Com tantos problemas, tanta fome, a América Latina continua desperdiçando até 348 mil toneladas por dia de alimentos (FAO, 30/2). Cerca de 36 milhões de pessoas (mais que a população do Peru) poderiam suprir suas necessidades com o que é perdido nos pontos de venda direta ao consumidor. A Argentina perde 12% do que produz. A Unicef alerta (28/6) para o risco de 60 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morrerem até 2030 de doenças que poderiam ser evitadas. E 167 milhões viverão na pobreza, apesar de 36% dos cereais, 20% das sementes, carnes e laticínios, 35% dos peixes, 40% a 50% dos vegetais e frutas irem para o lixo ou outros formatos desperdiçadores (Folha de S.Paulo, 20/7). Os Estados Unidos desperdiçam um terço do que plantam. O paradoxo maior talvez seja o da África, que, juntamente com a fome, tem 65% das terras férteis não cultivadas do planeta e 10% da água doce (Eco-Finanças, 22/8). (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Planeta no “cheque especial”


Museu do Amanhã alerta sobre sobrecarga da Terra. O planeta entrou no “cheque especial” dos recursos naturais 5 meses antes de terminar o ano. 
Uma série de atividades e palestras estão acontecendo no Rio de Janeiro por motivo do Dia da Sobrecarga da Terra, que inicia este ano no 8 de agosto. Esta é uma data para lembrar que o planeta entrou no “cheque especial”, cinco meses antes de fechar o ano, no que refere ao desgaste dos recursos naturais.
Organizada pelo Museu do Amanhã, dedicado a explorar possibilidades sustentáveis e de boa convivência na construção do futuro, a iniciativa contará com artigos, informações e infográficos sobre os impactos humanos no planeta.
Nomes reconhecidos como Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e José Graziano, diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) serão alguns dos especialistas que produzirão as publicações.
No site do Museu  será possível encontrar uma seção especial sobre o evento. Para os organizadores é importante ter um espaço para discutir os sinais de alerta do planeta. O dia da Sobrecarga da Terra foi qualificado como um termômetro fundamental para perceber a degradação do meio ambiente.
Advogado e ambientalista, Fabio Feldman, ministrará nesta sexta-feira (29/7) a palestra “Podemos virar esse jogo? Superconsumo e limites do planeta”. Para Feldman existem hoje algumas tentativas validas de mudança na sociedade   “Em São Paulo há uma juventude que está valorizando a bicicleta como meio de transporte. Em 1998 fui participar do programa do Serginho Groisman, e levei uma super vaia ao defender o uso da bicicleta em centros urbanos. Hoje, certamente não seria vaiado”, comenta.
Na sexta-feira (8/8) o jornalista especializado em sustentabilidade André Trigueiro explicará os inicios e consequências do Dia da Sobrecarga que acontece desde o ano 2000.
O evento ocorre na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro. Para participar das atividades é necessário se inscrever pelo site(#Envolverde/Utopia Sustentável) 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Produzir alimentos ou conservar florestas

O mundo enfrenta um enorme desafio: por um lado, a necessidade imperiosa de produzir alimentos para a crescente população mundial, por outro, a pressão de frear e reverter o desaparecimento das florestas, tão necessárias para a vida humana como cobrir as necessidades de sua dieta.
Desmatamento. Foto: FAO
Desmatamento. Foto: FAO

As florestas têm um papel fundamental no desenvolvimento da agricultura sustentável por vários fatores: ciclos da água, conservação de solos, sequestro de carbono, controle natural de pestes, incidência nos climas locais, e preservação do habitat dos polinizadorese de outras espécies.
Mas a agricultura responde pela maior parte do desmatamento. Nas regiões tropicais ou subtropicais, a agricultura comercial e a de subsistência são responsáveis por 50% e 33%, respectivamente, da conversão de florestas, e os restantes 27% do desmatamento ocorre pelo crescimento urbano, pela expansão da infraestrutura e da mineração.
Para conseguir os dois objetivos, as agências da Organização das Nações Unidas (ONU) encarregadas da alimentação e da agricultura oferecem dados específicos que falam por si mesmos. “A agricultura continua sendo a principal responsável pelo desmatamento e é urgente a necessidade de promover interações mais positivas entre ela e a silvicultura, para construir sistemas agrícolas sustentáveis e melhorar a segurança alimentar”, destacou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Essa foi a principal mensagem do informe O Estado das Florestas do Mundo, apresentado no dia 18 deste mês, na abertura da sessão do Comitê Florestal da FAO (Cofo), que termina hoje. “A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris sobre mudança climática reconhecem que não podemos pensar a segurança alimentar e a gestão dos recursos naturais separadamente”, pontuou o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva.
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Foto: FAO

“Os dois acordos exigem um enfoque coerente e integrado da sustentabilidade de todos os setores da agricultura e dos sistemas alimentares”, apontou Graziano. “As florestas e a silvicultura têm um papel importante nesse campo. A mensagem do Cofo é clara: não precisa desmatar para produzir mais alimentos”, ressaltou. A agricultura ocupa um lugar importante na retórica sobre as florestas, mas a FAO destaca que estas cumprem muitas funções ecológicas vitais que beneficiam a própria agricultura, já que incentivam a produção de alimentos.
“A segurança alimentar pode ser obtida pela intensificação da agricultura e de outras medidas como proteção social, em lugar da expansão das áreas cultivadas à custa das florestas”, disse Eva Müller, diretora da Divisão de Recursos e Políticas Florestais da FAO. “Precisa-se é de melhor coordenação entre os setores das políticas agrícolas, florestais, de alimentação e de uso da terra, bem como melhor planejamento do uso da terra, marcos legais efetivos e maior participação das comunidades e dos pequenos agricultores”, afirmou.
Para Müller, os “governos deveriam garantir às comunidades locais não somente a posse da terra, como também direitos sobre as florestas. Um agricultor sabe como manejar seus próprios recursos, mas costuma carecer dos instrumentos legais para isso”.
Melhorar a segurança alimentarfrear o desmatamento
O fato é que as florestas bem administradas têm um potencial enorme para promover a segurança alimentar. Além de sua vital contribuição ecológica, diz o informe a FAO. As florestas são um meio de subsistência para as comunidades rurais e uma forma de aliviar a pobreza, ao permitirem a geração de renda mediante a elaboração de produtos florestais e serviços ambientais.
Cerca de 24 bilhões de pessoas usam lenha para cozinhar e deixar a água potável. Além disso, as florestas oferecem proteínas, vitaminas e minerais às comunidades e são uma alternativa em casos de escassez de alimentos.Desde 1990, mais de 20 países conseguiram melhorar a segurança alimentar porque mantiveram ou melhoraram sua cobertura vegetal, demonstrando que não é necessário cortar árvores para produzir alimentos, segundo o informe da FAO.
Os 12 países que aumentaram sua cobertura vegetal são: Argélia, Chile, China, República Dominicana, Gâmbia, Irã, Marrocos, Tailândia, Tunísia, Turquia, Uruguai e Vietnã. Seu êxito se baseou em um conjunto de ferramentas: marcos legais efetivos, garantias na posse da terra, medidas para regular a mudança de uso da terra, incentivos para a silvicultura e a agricultura sustentável, fundos adequados e definições claras sobre papéis e responsabilidades de governos e comunidades locais.
Foto: FAO
Foto: FAO

Casos de sucesso
O informe apresenta sete estudos de casos de sucesso, de Chile, Costa Rica, Gâmbia, Geórgia, Gana, Tunísia e Vietnã. Esse grupo de países, segundo o documento, ilustra as oportunidades de melhoria na segurança alimentar, bem como o aumento ou a manutenção da cobertura vegetal. Seis desses países conseguiram mudanças positivas entre 1990 e 2015 em dois indicadores de segurança alimentar (prevalência de pessoas subalimentadas e o número de pessoas subalimentadas), bem como no aumento da superfície reflorestada.
No caso de Gâmbia, único país de baixa renda entre os sete mencionados, se conseguiu o primeiro objetivo de reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome nesse período.O Vietnã, por exemplo, implantou com sucesso uma reforma agrária para garantir a posse da terra, como forma de impulsionar o investimento de longo prazo. O processo foi acompanhado de uma mudança na gestão florestal, de uma silvicultura estatal para uma de múltiplos atores, com a participação das comunidades locais, incluído o programa de destinação de áreas florestais e contratos para sua proteção com os moradores locais.
A reforma agrária também foi acompanhada de instrumentos para aumentar a produtividade agrícola, como isenção de impostos, empréstimos brandos, promoção da exportação, garantia de preços, apoio à mecanização e redução das perdas de cultivos colhidos.
Na Costa Rica, o desmatamento atingiu seu máximo na década de 1980, principalmente pela conversão de florestas em áreas de pastagem. O país conseguiu reverter essa tendência graças a uma lei florestal que proíbe mudanças no uso das florestas naturais e a um sistema de pagamento por serviços ambientais, que oferece aos agricultores incentivos para plantar árvores e apoio para a conservação florestal. Graças a essas medidas, a cobertura florestal aumentou para quase 54% da superfície do país em 2015.
Na Tunísia, os planos de desenvolvimento nacional reconhecem os benefícios das florestas em proteger a terra da erosão e da desertificação. A produção agrícola aumentou com intensificação, que melhora o uso das terras cultiváveis existentes mediante a irrigação, os fertilizantes, a mecanização, melhores sementes e práticas agrícolas. Os incentivos para fomentar o plantio de árvores incluem distribuição gratuita de sementes e compensações pela perda de renda derivada da agricultura.
Os temas mais importantes da sessão do Comitê Florestal da FAO buscavam responder diretamente aos acordos históricos de 2015 e pesquisar como as florestas e a gestão sustentável podem contribuir para o sucesso dos objetivos de desenvolvimento acordados pela comunidade internacional.
Na Semana Florestal Mundial, o Comitê avalia como aproveitar melhor o potencial das florestas, incluída sua contribuição parao sustento, a segurança alimentar, o emprego, a igualdade de gênero e muitos outros dos objetivos de desenvolvimento incluídos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e no Acordo de Paris. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O solo que desaparece debaixo dos nossos pés


Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

É muito inquietante estudo publicado há poucas semanas (10/10) pela conceituada revista New Scientist segundo o qual um terço dos solos superficiais do planeta está “ameaçado de extinção”. Em dezembro próximo será publicado pela ONU, neste Ano Internacional dos Solos, um relatório sobre essa situação dramática. Ele dirá que estamos perdendo solos à razão de 30 campos de futebol (30 hectares) por minuto – ou 1.800 campos por hora, 42 mil por dia. Se não baixarmos essa perda, todos os solos agricultáveis do mundo estarão inviáveis para a agricultura em 60 anos. E como a agricultura provê 95% dos alimentos, além de contribuir por outros ângulos para a sobrevivência humana, as dimensões do problema serão gigantescas. É a maior ameaça ao ser humano, segundo Peter Groffman, especialista em estudos do solo no Cary Institute of Ecosystem Studies, em Nova York.
Groffman acha que a degradação dos solos é um “desastre em câmera lenta”. Porque um grama de solo pode conter até 100 milhões de bactérias, 10 milhões de vírus, 1.000 fungos e outras populações em meio a plantas que se decompõem. O solo não só nutre ou faz crescer nossos alimentos, como é a fonte de quase todos os antibióticos que existem – pode ser nossa maior esperança na luta contra bactérias resistentes a antibióticos. O solo é ainda o maior repositório de carbono – três vezes mais que a atmosfera – vital, portanto, na área do clima. E sofre porque os humanos não lhe devolvem partes não consumidas de colheitas, que deveriam ajudá-lo a repor nutrientes.
Sabendo disso, é penoso trafegar entre números divulgados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), quando diz (5/11) que cerca de 50% dos solos na América Latina e no Caribe sofrem com deficiência de nutrientes; a degradação afeta até metade do território de alguns países dessas áreas, com 150 milhões de pessoas. No total, 14% dos territórios, principalmente com erosão. Isso impedirá que se cumpra o objetivo de erradicar a fome nessas partes do continente até 2025. Agora, aprovou-se na Aliança Sul-Americana pelo Solo um plano para uso e manejo sustentável do solo, capaz até mesmo de ajudar na área de mudanças climáticas.
Alguns dos caminhos propostos pela Aliança para a área amazônica incluem a fiscalização sobre o uso da terra, sobre a contaminação dos solos em zonas dedicadas às atividades da extração de petróleo e sobre mudanças no uso do solo para ampliar a fronteira agrícola. Na área do clima, impedir que certos usos do solo impeçam a armazenagem de carbono.
Todas essas informações vêm no momento em que acaba de se realizar em Ancara, na Turquia, mais uma reunião – que passou praticamente despercebida na comunicação brasileira – da Convenção de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas. Representantes de 192 países estavam lá, discutindo caminhos para impedir a desertificação. E tomando conhecimento de soluções úteis, como as cisternas de placa e as microbarragens para armazenamento de água na temporada das chuvas e seu uso durante a estiagem – como se tem feito no Semiárido brasileiro (mais de 1,3 milhão de cisternas já entregues) e tem sido comentado neste espaço.
Felizmente, alguns outros passos têm sido dados, como os de recuperação de nascentes no Estado de São Paulo, acoplada à recuperação de vegetação, buscando compatibilizá-la com a produção agrícola, a readequação de estradas rurais e a conservação do solo. O primeiro projeto é realizado na cidade paulista de Holambra, onde 101 propriedades rurais poderão regenerar a vegetação nativa e o entorno de 170 nascentes e matas ciliares, além de recuperar áreas degradadas e instalar sistemas para captar e armazenar água das chuvas.
Todas essas coisas, porém, ocorrem simultaneamente com tentativas em curso de aprovar no Brasil legislação para uso de produtos transgênicos – na mesma hora em que a União Europeia – incluindo Alemanha, França, Itália, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte (ao todo, 19 países) – acaba de decidir a proibição do plantio de alimentos geneticamente modificados (New Scientist, 10/10), inclusive pelos problemas no solo.
No nosso Congresso, que já autorizou a retirada do símbolo de alimento transgênico do rótulo de produtos que o contenham, a bancada ruralista tenta agora (eco-finanças, 13/11) aprovar projeto (PL 1.117/15) que modifica a Lei de Biossegurança e transforme o Brasil no primeiro país a legislar em favor do cultivo comercial de plantas propositalmente estéreis – afrouxando, assim, a proibição às chamadas sementes Terminator e representando uma ameaça à biodiversidade local. Essas sementes se tornam estéreis a partir da segunda geração, inclusive em plantações de cana-de-açúcar e eucalipto – após autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Têm sido fortes as críticas de ambientalistas a esse projeto, no Brasil e fora, bem como à possibilidade de contaminação, até na Amazônia, negada pelos defensores desse caminho. Um dos críticos diz que “essas sementes poderão provocar um armagedon na agricultura brasileira” – com os pequenos agricultores impossibilitados de guardar sementes para o plantio seguinte e vendo os custos nessa área passarem a cada ano de R$ 162 milhões para R$ 1,17 bilhão (com a multiplicação dos lucros do cartel de empresas que domina a comercialização das sementes).
Seja como for, é mais uma área em que tudo se discute e decide sem atenção maior ao ângulo da conservação do solo – crucial no mundo. O estudo publicado pela New Scientist quantifica prejuízos com solo fértil perdido: US$ 44 bilhões com a erosão nos Estados Unidos, 233 milhões de libras no Reino Unido com o solo degradado armazenando menos á água e gerando fluxo menor, e US$ 40 bilhões na África com maior importação de alimentos por causa da produção menor nos solos degradados. Quanto será no Brasil? (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Quinze anos e para sempre


José Graziano da Silva. Foto: Cortesia do autor
José Graziano da Silva. Foto: Cortesia do autor

Os próximos 15 anos serão decisivos para o futuro de nosso planeta. Durante esse período, enfrentaremos alguns dos maiores desafios do século 21, em meio a uma transição contínua e profunda na economia global.
A superação da fome e da pobreza extrema são os desafios mais importantes. Hoje em dia, quase 800 milhões de pessoas não têm alimento suficiente para comer, apesar de se produzir comida suficiente no mundo para alimentar a todos. É evidente que precisamos de soluções urgentes para superar os gargalos estruturais que impedem que os que sofrem fome tenham acesso aos alimentos.
Em outras palavras, a inclusão social deve se converter na coluna vertebral do desenvolvimento. Entretanto, não conseguiremos nem a inclusão social e nem o desenvolvimento, a menos que nossas decisões estejam guiadas pela sustentabilidade.
Somos a primeira geração que pode acabar com a fome e fazer com que a segurança alimentar e nutricional seja verdadeiramente universal. E talvez também sejamos a última geração em condições de evitar danos irreversíveis provocados pela mudança climática.
O contexto político necessário para avançar na direção correta requer um grau sem precedentes de compromisso político.
Este mês foi dado um importante passo nesse sentido, quando a comunidade internacional apoiou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com uma agenda ambiciosa para mudar o mundo para melhor nos próximos 15 anos.
Esse novo pacto global para o futuro inclui crucialmente acabar com a pobreza e a fome até 2030, a mitigação e adaptação à mudança climática e a busca de formas mais sustentáveis de fazer com que a oferta atenda a demanda.
As decisões que tomamos como consumidores se tornaram tão importantes para o futuro quanto as que tomamos como produtores.
Além dos cerca de 800 milhões de pessoas que sofrem desnutrição crônica, a má nutrição também é um problema importante com aproximadamente dois bilhões de pessoas sofrendo deficiências de micronutrientes e outros 500 milhões que sofrem obesidade, esta última uma doença que está aumentando em muitos países de renda média e alta.
O mundo que se prevê por meio da consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não é uma quimera inalcançável. Não é uma utopia e podemos torná-lo realidade.
A solução está no problema. Na medida em que a riqueza continuar ganhando distância da justiça, a sobrevivência dependerá mais e mais do imperativo da cooperação.
Ou construímos um futuro para todos, ou não haverá futuro aceitável para ninguém. Qualquer dúvida a respeito empalidece diante do êxodo que presenciamos, com refugiados arriscando suas vidas em uma tentativa desesperada de encontrar uma vida melhor em outro lugar.
Mais de 70% da insegurança alimentar no mundo se concentra nas zonas rurais dos países pobres e em desenvolvimento.
Uma das soluções é reconhecer e apoiar o papel que a agricultura familiar de pequena escala pode desempenhar para conseguir fome zero de uma maneira sustentável.
Para conseguir isso. precisamos de políticas públicas que desenvolvam as capacidades das pessoas, apoiar a produção, facilitar o acesso ao crédito financeiro, à tecnologia e a outros serviços, e promover a cooperação internacional.
Para erradicar a fome e a pobreza, devemos começar fazendo mais do que enfrentar situações de emergência quando ocorrem e em seu lugar dirigir nossos esforços para fazer frente às condições que as causam.
O custo do fracasso está claro. Se prevalecer o enfoque de negócio, como tem sido até agora, em 2030 ainda teremos 650 milhões de pessoas sofrendo fome.
Estimamos que para acabar com a fome até 2030 é necessária uma combinação de investimentos em proteção social e agricultura e desenvolvimento rural de aproximadamente US$ 267 bilhões. Isto significa cerca de US$ 160 ao ano para cada pessoa que sofre fome.
Isto é mais ou menos o preço de um telefone celular. Trata-se de uma quantidade relativamente pequena a pagar com a finalidade de liberar o mundo do flagelo da fome e de fazê-lo durante nossas vidas. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável
José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

terça-feira, 15 de setembro de 2015

El Niño: FAO alerta para grandes perdas em colheitas na América Central


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Foto: Banco Mundial/Maria Fleischmann
Foto: Banco Mundial/Maria Fleischmann
Segundo a agência da ONU, a produção de cereais em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua foi gravemente reduzida por conta do clima seco associado ao fenômeno climático; Nações Unidas pedem preparação a países do Pacífico.
Um economista da unidade de Informação Global e Sistema de Alerta Precoce da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, afirmou: “os impactos do El Niño em 2015 são ainda mais intensos do que os do ano passado”.
Para Felix Baquedano, depois de dois anos de tempo cada vez mais seco, é “fundamental” apoiar agricultores a “recuperar algumas de suas perdas, os ajudando a ter rendimentos mais fortes na segunda temporada”.
Fenômeno Climático
Segundo a agência da ONU, a produção de cereais em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua foi gravemente reduzida por conta do clima seco associado ao El Niño.
O fenômeno climático é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico. O El Niño é acompanhado de períodos de seca que podem atrasar a plantação, reduzir áreas de plantio e sufocar o desenvolvimento de culturas.
A perda resultante nas colheitas este ano vai deixar um grande número de agricultores em necessidade de assistência enquanto a subregião tenta se recuperar.
Estado de Alerta
Na Guatemala, a FAO está apoiando o governo na construção sistemas de alerta precoce e desenvolvendo planos de gerenciamento e disponibilizando sementes e treinamento para ajudar os agricultores a mitigar os efeitos do El Niño.
A agência da ONU também está fornecendo assistência direta à produção e apoio ao monitoramento nutricional em Honduras.
A FAO continua apoiando o governo de El Salvador em sua estratégia para adaptar a agricultura local aos efeitos da mudança climática.
O Conselho Agrícola da América Central, liderado por ministros da agricultura da região, declarou estado de alerta depois que centenas de milhares de agricultores perderam colheitas de subsistência.
Pacífico
No Pacífico, as Nações Unidas estão fazendo um apelo aos governos de ilhas locais e seus moradores que se preparem para uma emergência iminente por conta do El Niño com o potencial de afetar até quatro milhões de pessoas.
O coordenador residente da ONU em Fiji, Osnat Lubrani, afirmou que os “especialistas estão prevendo de forma unânime” que está a caminho nos próximos meses um El Niño considerado de forte a severo.
Ele disse ainda que algumas previsões no momento sugerem que o evento possa ser “tão grave como o de 1997/98 que foi o pior fenômeno já registrado e levou seca a países como Papua Nova Guiné e Fiji”.
Preparação
Lubrani declarou ser o momento para comunidades e governos se prepararem para as mudanças climáticas extremas, que normalmente o El Niño desencadeia.
Ele afirmou que diversos países estão implementando ou preparando planos para secas e que a “ONU está pronta para apoiar essas ações fornecendo coordenação e aconselhamento técnico”.
Nos próximos meses, países localizados na linha do Equador podem esperar mais chuvas, enchentes e níveis mais altos do mar, representando desafios para atóis de baixa altitude que já sentem os impactos da mudança climática.
Emergência Humanitária
Os países mais populosos do sudeste do pacífico vão ver o tempo ficar mais seco de agora em diante com alguns, eventualmente, passando por seca.
Segundo o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assistência Humanitária, Ocha, os anos de El Niño geralmente apresentam uma temporada mais longa de ciclones, com fenômenos mais intensos afetando uma área maior do Pacífico.
O chefe do escritório regional do Ocha para o Pacífico, Sune Gudnitz, afirmou que “o El Niño tem o potencial de desencadear uma emergência humanitária regional”.
Ele disse ainda que segundo estimativas do Ocha, “até 4,1 milhões de pessoas estão em risco de escassez de água, insegurança alimentar e doenças em toda a região”.
Força
De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, OMM, um “El Niño maduro e forte está atualmente presente na região do oceano Pacífico Tropical e deve se fortalecer ainda mais”.
O evento climático este ano é o mais forte desde 1997-98. Segundo informações da agência da ONU é, potencialmente, um dos quatro mais intensos desde 1950. (Rádio ONU/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Os ponteiros da ação


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Brasileiro José Graziano dirige a FAO. Foto: Ryan Brown/ONU
Brasileiro José Graziano dirige a FAO. Foto: Ryan Brown/ONU

O tempo das constatações ficou para trás. Alarmes econômicos e ambientais já cumpriram o seu papel: chegou a hora de ajustar os ponteiros da cooperação internacional para uma ação transformadora.
Vivemos uma transição de ciclo econômico. A correlação entre as escolhas do desenvolvimento e o manejo sustentável dos recursos naturais incorporou-se à pauta das nações. É através dela que todas as demais prioridades poderão respirar; sem contemplá-la, definharão.
Esse discernimento é indispensável para enxergar melhor a oportunidade e a relevância de três eventos agendados para este segundo semestre de 2015.
Em setembro, representantes de todo o planeta reúnem-se na ONU para aprovar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que sucederão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Essa não é uma mera mudança de siglas. Os ODM foram em grande medida uma criação das organizações internacionais impostas “top-down” aos países em desenvolvimento. Agora, com os ODS, vemos um processo inverso em marcha: os países membros do Sistema ONU, desenvolvidos e em desenvolvimento, tomaram a liderança em definir o “futuro que queremos”, como sugeria o título do documento final da Rio+20 que deu origem a tais metas.
Em dezembro, será a vez da Conferência do Clima, que acontece em Paris. A chamada CoP21 tem a missão de pactuar um novo consenso global para evitar um aquecimento da terra superior a 2º C até o final do século. Nesta ocasião, os compromissos concretos já assumidos por vários países esboçam o cenário de uma conferência que promete ir além de declarações superficiais.
Foto: Gare de Lyon, Paris/Shutterstock
Paris sediará no final deste ano a importante Conferência do Clima, COP21. Foto: Gare de Lyon, Paris/Shutterstock
Não estamos diante de um calendário protocolar. As reuniões de setembro e dezembro derivam e convergem para um mesmo fio condutor, aquele que o Papa Francisco resumiu de forma lapidar na encíclica “Louvado Seja”: o desafio do meio ambiente e o da pobreza são parte de uma mesma crise.
Novas formas de viver e de produzir cobram seu espaço nas metas que serão consagradas na ONU, em setembro e, três meses depois, nos compromissos para o clima, em Paris. A consciência da travessia só se transformará em ação consequente, porém, se a cooperação internacional providenciar os recursos necessários.
Entra aí o terceiro pilar deste ano decisivo: a Conferência da ONU sobre Financiamento ao Desenvolvimento, que ocorre em Adis Abeba em julho. Anterior às edições de Nova York e Paris, menos midiática, mas não menos importante – na verdade crucial- a reunião na capital etíope desafia as nações a firmarem um acordo para compartilhar a conta global do combate à fome e à pobreza extrema, do desenvolvimento sustentável, da adaptação à mudança climática e da transição para modelos de produção menos destrutivos.
Trata-se de harmonizar três imperativos: o crescimento equilibrado; o crescimento inclusivo e o crescimento sem fome. Um resultado prático poderá ser a inclusão dos mais pobres nos orçamentos nacionais dos países que definirem o combate à fome e à miséria como suas prioridades políticas.
Nos últimos 70 anos, a população mundial triplicou; a oferta per capita de comida quase duplicou. O número de pessoas com fome caiu em mais de 210 milhões desde 1990; a proporção dos que passam fome recuou cerca de 40%.
É possível – é imperativo – ir além: 800 milhões ainda vivem sob o torniquete da insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, taxas de obesidade sobem em todo o planeta, na evidência incontornável de que a segurança alimentar adequada deixou de significar apenas a garantia mínima de calorias. Cada vez mais ela abarcará também o cuidado com a qualidade da dieta humana.
A abundância ao lado da fome reitera, sobretudo, a persistência de desafios de distribuição e acesso que extrapolam a questão agrícola.
Definitivamente, essa não é uma questão técnica. O ferrolho que comprime o passo seguinte do nosso tempo é de outra ordem. Destravá-lo implica uma coordenação cooperativa dos recursos para o desenvolvimento sustentável.
Trata-se, entre outras coisas, de dar ao desenvolvimento reprimido, à terra ociosa, ao trabalho subutilizado, o emprego, o crédito, a renda e os recursos tecnológicos necessários à superação da lógica movediça da crise mundial. Mais que nunca está claro, trata-se de uma crise fruto do desemprego e da desigualdade crescentes, e de uma saturação física no uso dos recursos que formam as bases da vida na terra.
A FAO se preparou para fazer a sua parte nessa travessia.
Equipes e recursos reforçaram a nossa presença nos países e regiões que mais precisam de apoio nessa transição.
Remanejamentos de quadros e de orçamento foram implementados para torná-la um centro irradiador de inteligência com os pés ancorados nas frentes da universalização da segurança alimentar, da produção sustentável, da valorização dos agricultores familiares, da inclusão social, e da resiliência às mudanças climáticas.
Interliga-se a essas diretrizes o desafio de incorporar 500 milhões de propriedades familiares ao novo padrão de crescimento do século 21, de modo a reforçar a segurança alimentar ali onde, paradoxalmente, ela é mais frágil: 75% da fome hoje concentra-se na área rural. Não estamos falando de boas intenções, mas de urgências dotadas de lastro social, político e tecnológico.
Há uma década, erradicar a fome no Brasil era considerado uma agenda utópica. O país provou que isso era possível e saiu do mapa da fome. Mundo afora, 72 de 129 nações em desenvolvimento monitoradas pela FAO alcançaram o desempenho previsto nos ODM de reduzir a proporção de pessoas subnutridas a menos da metade.
Podemos ser a primeira geração Fome Zero, consolidando o passo indispensável a um desenvolvimento equilibrado e inclusivo. É isso que os ponteiros da urgência e da oportunidade estão a nos dizer: chegou a hora. (EcoD/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).