Mostrando postagens com marcador América Latina. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador América Latina. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 15 de maio de 2015

América Latina será líder no caminho a Paris?


Twitt

Propostas ambiciosas e construídas com real participação da sociedade podem ser boas para o clima, para a economia e para a democracia na região
Ao longo deste ano, os governos irão decidir como vão contribuir para o novo acordo climático de Paris, que será assinado em dezembro. Isso cria um momento decisivo para a América Latina. Não se trata apenas de formular propostas para combater a mudança climática, mas também de compreender que a maneira como os governos decidirão os seus planos vai definir o apoio político que os mesmos irão receber de parte dos cidadãos, da sociedade civil e das empresas. Existem mais possibilidades de executar propostas sólidas e ambiciosas se a sociedade as considera benéficas, críveis e legítimas.
A América Latina estabeleceu precedentes positivos no esforço global para enfrentar a mudança climática. Diversos países latino-americanos defenderam uma abordagem universal, ou seja, que as medidas do acordo internacional para reduzir as emissões sejam aplicadas a todos os países. Alguns países latino-americanos também figuram entre as primeiras nações em desenvolvimento que se comprometeram em contribuir com o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund), criado em 2010 em Cancún, no México.
Por outro lado, existem destacadas figuras latino-americanas que desempenham um papel muito ativo no debate global sobre a mudança climática: a costa-ricense Christiana Figueres é secretária-executiva da convenção das Nações Unidas sobre mudança climática; Felipe Calderón, ex-presidente do México, preside a Comissão Global sobre Economia e Clima; e o Papa Francisco, argentino, organizou no último mês de abril uma conferência sobre o clima no Vaticano. Enquanto isso, o ex presidente do Chile, Ricardo Lagos, trabalha com Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda, na justiça climática, e o também mexicano José Ángel Gurría considera que o crescimento ecológico é uma prioridade da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O debate sobre a mudança climática já está sendo incorporado na política, na economia e nos meios de comunicação da América Latina. Existe uma preocupação genuína com a vulnerabilidade aos impactos climáticos, tais como a seca ou as inundações e, portanto, o ceticismo é muito menor do que nos EUA ou no Canadá. Diversos relatórios, incluindo um estudo do Pew Research Center de 2013, confirmam que o aquecimento global preocupa muito os latino-americanos.
Um traço que chama a atenção nos países latino-americanos é que, independentemente do tamanho dos mesmos ou de sua orientação política, os governos manifestaram que desejam ser parte da solução da mudança climática. Em 2014, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), composta pelos 22 países da região, confirmou seu compromisso com a Convenção do Clima da ONU e expressou seu apoio a um acordo juridicamente vinculante.
As conferências do clima (COPs) realizadas na Argentina em 1998 e em 2004, no México em 2010 e no Peru em 2014 favoreceram a exposição pública na mídia, e aumentaram o interesse de empresas em soluções climáticas, graças à grande variedade de atos que foram celebrados paralelamente às reuniões oficiais. A conferência climática-empresarial de Lima reuniu investidores e especialistas em infraestrutura, além de um público geral que não costuma frequentar esse tipo de debate.
Cerca de 80% da população latino-americana vive em cidades, o que torna inspiradora a grande quantidade de iniciativas que combinam desenvolvimento e clima. Em março, os prefeitos de 20 cidades latino-americanas assinaram em Buenos Aires a Declaração de Intenções de uma Cidade de Ônibus Limpos, do C40, cujo objetivo é melhorar a qualidade do ar e reduzir as emissões, incorporando às frotas ônibus sem emissões ou de baixas emissões. A mensagem pragmática dos prefeitos do C40 não foi contaminada pelas acusações habituais entre o norte e o sul, e que constantemente atrapalham as conferências da ONU. Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, destacou que “as cidades latino-americanas estão na liderança da promoção de medidas urbanas que reduzam as emissões (…) e melhorem a saúde (…) e as oportunidades econômicas dos cidadãos”.
Ter uma abordagem climática que seja mais amigável com as pessoas é algo que chega à região em um momento de tensão entre governos e ativistas. Enquanto se realizava a conferência climática em Lima, os manifestantes saíram pelas ruas no meio do smog da cidade para exigir medidas mais firmes que combatam a mudança climática. Cerca de 15 mil pessoas participaram da manifestação, que até agora foi a maior da América Latina por essa causa, e exigiram também uma melhor gestão da água e a proteção dos direitos dos ativistas. Não havia só ativistas ambientalistas entre os manifestantes, mas também estudantes, associações de mulheres, de povos tradicionais e sindicalistas, que exigiam responsabilidade ambiental.
As contribuições nacionais são sérias?
A caminho do acordo de Paris, em 2015 todos os países estão convidados a apresentar suas propostas, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDC, na sigla em inglês), para instruir o novo acordo que deverá entrar em vigor depois de 2020. As INDC contêm informações sobre o compromisso de redução de emissões do país e sua adaptação aos impactos climáticos, e os meios para apoiar a execução destas medidas, o que inclui financiamento, capacitação e transferência tecnológica.
O México, responsável por 1,4% das emissões globais e situado entre os dez maiores emissores do mundo, foi o primeiro país em desenvolvimento que anunciou em março o seu INDC, após a União Europeia (UE), a Noruega e a Suíça.
O México planeja alcançar o ponto máximo de emissões em 2026 (quatro anos antes da China) e estabelecer o objetivo incondicional de reduzir em um 25% as emissões de gases causadores do efeito estufa e contaminantes climáticos de vida curta (incluindo o carbono negro), em relação ao que estima que emitiria em 2030 se nada fosse feito. Esse compromisso implica reduzir em 22% os gases causadores do efeito estufa e em 51% o carbono negro. Além disso, o México fixou o objetivo de reduzir ainda mais as emissões – em 40% em relação às projeções para 2030 – se forem cumpridas certas condições, entre elas um preço global do carbono, o acesso a recursos econômicos e mecanismos que facilitem a transferência tecnológica.
O México organizou um debate sobre a INDC com a sociedade civil em fevereiro e uma consulta pública online no mês seguinte, antes de apresentar oficialmente a sua contribuição. A INDC está aberta a comentários públicos até o mês de setembro, apesar de não se saber se existirão novas negociações ou se serão incorporadas ideias novas.
Em relação à transparência na elaboração de outras INDC, o Chile adotou a estratégia participativa mais inovadora até agora: uma consulta aberta que durou de dezembro de 2014 a abril do presente ano, e recolheu ideias sobre opções específicas de redução de emissões, além de submetê-las a comentários públicos. A INDC já está no Conselho de Ministros para a Sustentabilidade e Mudança Climática do Chile, e sua apresentação oficial está prevista para junho.
Grande parte da análise técnica da INDC do Chile começou há alguns anos, no âmbito de um programa chamado MAPS (planos de ação e cenários de mitigação de longo prazo), no qual participam diversos atores. O programa MAPS é uma colaboração entre especialistas sul-africanos e latino-americanos para estabelecer trajetórias de mitigação de longo prazo e informar as políticas públicas.
No Brasil, o Ministério de Relações Exteriores organizou reuniões públicas com a sociedade civil, elaborou um questionário online e publicou recentemente o relatório final sobre as contribuições para a elaboração da INDC brasileira. Apesar de ser um passo positivo, se desconhece o nível de ambição da INDC, e alguns especialistas brasileiros estão solicitando novas oportunidades para influenciar no resultado final.
O Brasil é o maior emissor da América Latina, um dos dez maiores emissores do mundo e um ator fundamental nas negociações climáticas da ONU. Portanto, a INDC brasileira é de vital importância tanto a nível nacional quanto regional e internacional. O espírito da contribuição do Brasil terá profundas consequências para o acordo de Paris e para a credibilidade internacional do país. Uma INDC sólida ajudaria a afastar os temores de que o país não possui a vontade política de chegar a um novo acordo climático e de que tenha perdido o interesse em manter sua liderança no tema.
Desde o ano 2005 até agora, o Brasil reduziu admiravelmente o desmatamento na Amazônia. Sua matriz energética é relativamente limpa. Apesar de o governo poder cair na tentação de jogar a toalha, é preciso que a INDC brasileira tenha um novo rumo.
Uma maneira de fazer isto poderia ser mediante a aplicação de medidas que beneficiem tanto aos brasileiros quanto a economia. Por exemplo, aproveitando o enorme potencial de geração de energia renovável e desenvolvendo soluções urbanas sustentáveis. Izabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente, afirmou que a INDC brasileira aumentará o uso de energia renovável, fixará o objetivo de desmatamento líquido zero e promoverá uma agricultura de baixas emissões.
O Peru começou o processo de elaboração de sua INDC em abril e espera-se que seja organizada uma consulta pública em junho. Recentemente, foi anunciada a criação de uma comissão ministerial liderada pelo Ministério do Meio Ambiente para organizar a elaboração da INDC. Em relação à Costa Rica, o Ministério de Ambiente e Energia e o Ministério de Relações Exteriores organizaram uma oficina de especialistas para discutir a INDC, além de diversas mesas redondas sobre energia e transporte. Espera-se que logo aconteça uma consulta à sociedade civil, e que o rascunho final da INDC fique pronto no mês de setembro. Em relação aos outros países latino-americanos, não se tem conhecimento de como eles estão preparando as suas INDC, uma vez que não há informação pública disponível ou a que existe é muito escassa.
Vantagens de abordagens inclusivas
Tradicionalmente, as políticas climáticas na América Latina foram alimentadas por informações fornecidas por especialistas governamentais, funcionários de bancos de desenvolvimento multilaterais, assessorias e diversas ONG globais. Isto se deve, em grande medida, à boa vontade destes atores, à necessidade de sanar as deficiências da capacidade nacional ou aos pedidos de apoio do governo. Entretanto, os cidadãos ficam, em sua maioria, excluídos da tomada de decisões sobre políticas climáticas nacionais e internacionais – algo que não ocorre apenas na América Latina. Para acabar com a era da política de portas fechadas, é preciso começar desenvolvendo mecanismos novos, que incluam as prioridades dos cidadãos e das empresas. O processo de elaboração da INDC é uma oportunidade concreta de elaborar mecanismos que melhorem a participação cidadã e empresarial.
Os passos dados por Chile, México, Peru e Brasil para abrir o debate sobre as INDC criam um precedente positivo na elaboração de políticas climáticas. No momento, a abertura e a eficácia destas medidas variam consideravelmente, e a estratégia chilena parece ser a mais participativa até agora.
Abrir as INDC a um processo de consulta pública evitaria que os governos defendam posturas nas conferências climáticas da ONU que não tenham sido explicadas ao público, o que ajudaria a aumentar o nível de execução local nas decisões sobre o clima. Tanto o envolvimento como o apoio público são essenciais para adotar medidas que ultrapassem os ciclos eleitorais em curto prazo. Os processos participativos fomentam um debate mais amplo, que pode oferecer melhores ideias e programas climáticos nacionais mais democráticos.
A exigência pública de uma maior transparência por parte dos governos está aumentando. Várias organizações não governamentais da Bolívia, Guatemala, México e Venezuela assinaram uma declaração que exige a consulta pública de seus INDC nacionais, incluindo a participação de distintas associações de povos originários e jovens. O Observatório do Clima do Brasil também pressiona o seu governo para que apresente publicamente a INDC antes que ela seja proposta às Nações Unidas, com o objetivo de avaliar a influência do processo de consulta em sua elaboração.
Falar sobre “Paris” com os cidadãos
Apesar da consciência sobre a mudança climática que existe na América Latina são poucos os cidadãos que sabem que os seus governos estão negociando um novo acordo climático. De maneira geral, são outros problemas que os preocupam: a frustração cada vez maior pelos casos de corrupção, o não cumprimento de promessas e a má governança provocaram diversos protestos em vários países.
É necessário que os governos ofereçam informação empregando uma linguagem acessível para melhorar a compreensão e o significado público do acordo de Paris. Uma maneira de abordar a complexidade das negociações é se concentrar nas vantagens reais das medidas climáticas nacionais para os cidadãos e para as empresas. Podem-se conseguir manchetes positivas se o modo como se aborda a mudança climática se relacionar com os investimentos em energias renováveis, sistemas de transportes limpos, redução da contaminação atmosférica e a melhora da qualidade de vida. É necessário também explicar ao público de que maneira o acordo de Paris contribui para reforçar a resiliência aos impactos climáticos.
Alguns países e algumas cidades já começaram este processo. O governo chileno realizou uma pesquisa sobre condutas e prioridades ambientais dos cidadãos, algo que outros países poderiam fazer. Por exemplo, 33% dos chilenos se preocupam com a contaminação atmosférica. Portanto, o governo teria motivos legítimos para endurecer a regulamentação sobre os veículos e ampliar os sistemas de transporte público limpo, duas medidas de benefício para a saúde e para o objetivo de reduzir emissões. Com esta informação os responsáveis pelas políticas públicas poderiam explicar as suas propostas de ação climática, situando-as em um contexto de resolução de problemas que preocupam os cidadãos.
Está demonstrado que a INDC da UE poderia significar uma economia de 30 bilhões de dólares anuais, graças à menor importação de combustíveis fósseis. Poderia também evitar 6 mil mortes anuais por contaminação atmosférica e criar 70 mil postos de trabalho no âmbito das energias hidráulica, eólica e solar. Na América Latina é preciso realizar um esforço similar para eliminar a falsa crença de que a proteção climática é inacessível ou incompatível com a prosperidade.
A América Latina desempenhou um papel importante ao promover a adaptação como prioridade absoluta para o acordo de Paris. E isso deve ser comunicado ao público para aumentar o envolvimento regional dos resultados de dezembro.
Continuar avançando
Os processos inclusivos e participativos de elaboração da INDC podem dar um novo impulso às políticas climáticas e ambientais atuais, assim como servir de base para uma legislação climática que garanta o compromisso com a tomada de medidas futuras. Neste contexto, o setor privado, as autoridades municipais e a sociedade civil também poderiam criar espaços independentes para conceber outras maneiras de melhorar os planos climáticos nacionais e dar maior credibilidade e legitimidade ao processo.
Entretanto, para que as contribuições climáticas sejam ambiciosas, é fundamental que elas tenham um alto nível de apoio. A consulta pública chilena não teria sido possível sem o apoio político explícito da presidente Michelle Bachelet. O apoio presidencial contribuiu para a transmissão de sinais claros através do governo e da sociedade de que a consulta pública da INDC era uma prioridade.
Em um processo de criação de políticas sólidas, a consulta pública é só o começo. As propostas dos cidadãos devem ser submetidas à revisão e à consideração e, se aceitas, devem ser incluídas nos processos oficiais. Apesar de muitos governos latino-americanos solicitarem comentários públicos, não fica claro como os considerarão ou utilizarão, ou se as propostas serão submetidas ao debate público.
A sociedade civil também tem coisas a aprender: cabe recordar que, quando as contribuições oferecem propostas sólidas, há uma maior probabilidade de que elas sejam consideradas. E também que as exigências não darão em nada se elas não são amparadas por dados que demonstrem a sua viabilidade econômica e técnica.
Uma maneira produtiva de contribuir para os debates sobre a INDC nacional é oferecer ideias sobre como incorporar planos de adaptação nacionais às INDC. A sociedade civil latino-americana poderia considerar a possibilidade de organizar um fórum sobre as INDC regionais partindo de propostas técnicas de alta qualidade para reduzir a contaminação, ampliar o sistema de transporte limpo e acelerar a implementação de energias renováveis. Também poderiam ser propostas ideias concretas para elaborar e iniciar planos nacionais de adaptação.
As negociações climáticas deste ano oferecem uma oportunidade muito concreta de melhorar a política climática da América Latina, tornado-a mais participativa. Se os políticos e funcionários incorporarem as preocupações e propostas dos cidadãos e empresas em seus preparativos para a conferência de Paris, é provável que os países da região entrem em um ciclo novo e produtivo de participação, transparência e ambição nas políticas públicas. A América Latina possui destacados especialistas em energia renovável, arquitetura, planejamento urbano, adaptação e outras áreas que podem contribuir para incorporar a mudança climática na agenda de desenvolvimento.
A região enviou uma mensagem positiva com as consultas públicas da INDC, algo impensável há poucos anos. A política climática inclusiva faz com que aumente o envolvimento local no programa climático, o que teria consequências positivas para a democracia, além de gerar benefícios reais para os cidadãos e a economia. Chegou o momento de os presidentes latino-americanos estabelecerem como prioridade o apoio às contribuições sólidas, inclusivas e mais respeitosas com os cidadãos para o acordo de Paris. E que eles exijam a incorporação de medidas climáticas em seus planos de desenvolvimento. (Observatório do Clima/ #Envolverde)


 Observatório do Clima/Envolverde/Utopia Sustentável.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

América Latina diante da novidade e do desafio de envelhecer




chica1 629x353 América Latina diante da novidade e do desafio de envelhecer
Idosos se exercitam na Plaza Francia, como parte da iniciativa municipal de Estações Saudáveis em parques públicos na cidade de Buenos Aires, onde também são feitos controles de saúde em pessoas com mais de 60 anos. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

A eternamente jovem América Latina também está envelhecendo, devido ao aumento da expectativa de vida e à queda no número de nascimentos. Uma revolução demográfica que coloca diante de novos desafios uma região que dá passos cambaleantes para deixar de ser a mais desigual do mundo.
O informe A Nova Era Demográfica na América Latina e no Caribe: a Hora da Igualdade Segundo o Relógio Populacional, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), confirma que neste século há menos filhos por casal e mais idosos, o que começa a mudar a paisagem das cidades da região.
“O envelhecimento da população é uma boa notícia na medida em que aumenta a expectativa e a qualidade de vida”, apontou María Julieta Oddone, diretora do Programa Envelhecimento e Sociedade, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
Durante o século 20 a América Latina se caracterizou pelo crescimento, de 161 milhões de habitantes em 1950, para 512 milhões em 2000. Mas neste século calcula-se que a população chegará a 734 milhões até 2050, para depois baixar para 687 milhões em 2100, segundo o informe divulgado em novembro pela Cepal em sua sede em Santiago, no Chile.
A Cepal atribui essa situação ao fato de a expectativa de vida ter aumentado em 23 anos na região, passando de 55,7 anos no período 1950-1955 para 74,7 anos em 2010-2015. Nos primeiros cinco anos essa esperança de vida era dez anos inferior à média dos países industrializados, e no quinquênio atual a diferença é de cinco anos.
O outro fator determinante é a queda da taxa global de fecundidade que passou de ser uma das mais altas do mundo, com quase seis filhos por mulher, para 2,2 filhos, inferior inclusive à média mundial de 2,3 filhos. “Sempre houve velhos nas sociedades. Mas agora é a primeira vez que na história do mundo velhas são as sociedades”, destacou Oddone, que prefere dizer “pessoas velhas” porque “velhice não é igual a decrepitude e morte. Hoje, majoritariamente, os velhos são pessoas ativas, saudáveis, com muito potencial”.
O envelhecimento latino-americano – que círculos acadêmicos e científicos continuam negando porque “ainda prevalece a ideia de que continuamos sendo uma sociedade jovem –, requer um olhar diferente”, segundo Oddone, também membro do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, da Argentina. Primeiro em sua compreensão, e depois na adoção de políticas públicas em saúde, previdência social, proteção, educação, recreação, atividades comunitárias, dirigidas a esses novos “velhos jovens”, explicou.
Segundo Oddone, “as famílias mudaram. As famílias do começo do século 20 tinham avós que talvez chegassem aos 50 anos, hoje têm avós, bisavós e até tataravós. O fato de passar mais da metade da vida como pessoa velha (e que teremos um horizonte de 30 anos para nos aposentar) implica fortes mudanças sociais”. Como exemplo, ele citou medidas sanitárias que contemplem não só doenças típicas da infância ou juventude, mas as crônicas ou degenerativas, que muitos mais sofrerão. “O aumento da população velha não necessariamente é uma hecatombe no sistema de saúde. Isso é parte dos mitos, mas é preciso estar prevenido”, acrescentou.
As políticas públicas, segundo a pesquisadora, terão de contemplar a nova realidade de famílias que precisam de mais apoio para cuidar de seus familiares longevos, ou dos idosos que têm um papel mais ativo cuidando dos netos. Oddone recorda que muitos empobrecem e se tornam mais vulneráveis, porque por viverem mais tempo e terem menos filhos, ou nenhum, às vezes têm de vender suas casas para custear seus gastos. “Creio que não se tomou consciência da magnitude das mudanças que implica a sociedade ter decidido ser velha, quando foi um desejo da sociedade consegui-lo”, acrescentou.
Andrés Hatum, especialista em comportamento humano em organização, da IAE Business School, tem uma visão mais pessimista diante de uma política que considera “preocupante”. Hatum apontou à IPS que, “com menos gente jovem, a população ativa envelhece, e isso significa menos produtividade, menos talentos, menos engenheiros e executivos com experiência. Teríamos que ter um crescimento demográfico mais expansivo para permitir o crescimento econômico”.
Em termos educacionais, Hatum pontuou que se deveria reformular a distribuição orçamentária. Por exemplo, em lugar de abrir tantas universidades para os jovens, criar mais unidades acadêmicas para atualizar os adultos idosos.
A Cepal, por sua vez, vê uma grande oportunidade para melhorar a educação. A redução da população infantil e juvenil facilitará estender a todos nesses dois grupos “os benefícios de uma educação de alta qualidade da qual antes só se beneficiava uma pequena minoria”, acrescenta.
Hatum também considera necessário aumentar o teto da idade para uma pessoa se aposentar, para “não explodir” os sistemas de pensão, e pensar em esquemas de trabalho flexíveis, com variáveis que “também tenham sentido para o empregador. Talvez, uma forma seja trabalhar menos na medida em que se avança em idade, para que também desfrutem do tempo de lazer”, acrescentou.
Para Hatum, as fábricas terão que se adaptar diante de uma nova força de trabalho com mais de 45 anos, por um lado com mais experiência, paciência e perfeccionismo, mas por outro com menor flexibilidade, força e visão. Ele considera “antiquado” o modelo empresarial que “supõe que as pessoas devam obter aumentos de salários e promoções com base na idade e depois partir quando chega o momento de se aposentar”, o que incentiva seus empregados mais velhos a se aposentarem mais cedo. “Há muitos países onde as pessoas ficam sem trabalho e têm dificuldade para voltar ao mercado. Nós (os latino-americanos) estamos nessa transição.
Oddone considera o tema complexo. Recordou que, em países como a Argentina, dois terços das pessoas em idade de se aposentar querem se aposentar, e que a robótica, por exemplo, não só expulsa os mais velhos do mercado como também impede que muitos jovens consigam trabalho. “Em épocas de flexibilização no mercado de trabalho, começa a discriminação de idade mais precoce”, acrescentou.
A pesquisadora afirmou que, “de todo modo, creio que o mercado de trabalho terá que encontrar formas de manter essas pessoas por mais tempo, ou pelo menos de utilizar uma boa parte delas, que com suas capacidades e experiências podem dar alguma contribuição”.
Pessoas ativas e com renovados desejos, como a argentina Silvia Schabas, que aos 75 anos, com boa saúde e uma grande bagagem cultural, acredita que poderia aplicar mais do que nunca seus conhecimentos. “O mercado de trabalho está muito limitado, só querem jovens quando se trata de emprego formal”, disse à IPS essa antiga docente que vive na capital peruana.
Com seus netos, Schabas começou a aprender informática e a participar das redes sociais. “Após cinco anos, quando descobri que sem me aproximar desse mundo desconhecido e misterioso ficaria fora do mundo, gritei por socorro”, brincou. Ela propõe, entre outras ações, uma “atenção à saúde pública: oportuna, amável, personalizada, com especialistas em geriatria”, ou expandir atividades culturais e esportivas em parques. Mas, sobretudo, pede que se entenda que eles também foram jovens.
“A juventude não dura toda a vida e ninguém sabe como será sua velhice, portanto somos um pouco o espelho de seu futuro de idosos, terceira ou quarta idade, ou como quer que se chame eufemisticamente”, resumiu Shabas, que diz integrar uma nova geração de “avozinhas que já não fazem ponto cruz, mas ponto.com”. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Alimentos desperdiçados na América Latina são suficientes para nutrir 47 milhões de pessoas





desperdicio2 300x215 Alimentos desperdiçados na América Latina são suficientes para nutrir 47 milhões de pessoas
Foto: http://ciclovivo.com.br/
Na América Latina e Caribe se perdem e desperdiçam mais alimentos do que os que são necessários para satisfazer as necessidades nutricionais das 47 milhões de pessoas que ainda sofrem de fome na região, assinalou a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). O informe “Perdas e desperdícios de alimentos na América Latina e Caribe”, do Escritório Regional da FAO, destaca que 6% das perdas globais de alimentos se dão na região.
“A cada ano, a região perde ou desperdiça ao redor de 15% de seus alimentos disponíveis, o que impacta a sustentabilidade dos sistemas alimentares, reduz a disponibilidade local e mundial de comida, geram menores rendas para os produtores e aumentam os preços para os consumidores”, explicou o representante regional da FAO, Raúl Benítez.
Benítez acrescentou que as perdas e desperdícios também têm um efeito negativo sobre o meio ambiente devido à utilização não sustentável dos recursos naturais. “Enfrentar essa problemática é fundamental para avançar na luta contra a fome e deve converter-se em uma prioridade para os governos da América Latina e Caribe”, salientou Benítez.
O que são e onde ocorrem as perdas e desperdícios?
Segundo a FAO, as perdas se referem à diminuição da massa disponível de alimentos para o consumo humano nas fases de produção, pós-colheita, armazenamento e transporte. O desperdício de alimentos se refere às perdas derivadas da decisão de descartar alimentos que ainda têm valor nutricional, e se associa principalmente ao comportamento dos vendedores de atacado e varejo, serviços de venda de comida e aos consumidores.
As perdas e desperdícios ocorrem ao longo da cadeia alimentar: na região, 28% ocorrem em nível do consumidor; 28% em nível de produção; 17% no mercado e distribuição; 22% durante o manejo e armazenamento; e 6% restantes em nível de processamento.
Perdas na venda no varejo
Com os alimentos que se perdem na região só em nível da venda no varejo – ou seja, em supermercados, feiras livres, armazéns e demais postos de venda no retalho – se poderia alimentar mais de 30 milhões de pessoas, ou seja, 64% dos que sofrem fome na região.
Os alimentos que perdidos nesse nível nas Bahamas, Jamaica, Trinidad e Tobago, Belize, Colômbia são equivalentes aos que se necessitariam para alimentar todos que sofrem com a fome em tais países.
Antígua e Barbuda, Bahamas, Jamaica, São Cristóvão e Névis, Trinidad e Tobago, Belize, Bolívia, Colômbia, Equador, El Salvador, Suriname e Uruguai poderiam dispor de alimentos equivalentes ao necessário para alcançar o primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, se reduzissem apenas esse tipo de perdas.
“É importante assinalar que os países da região dispõem de calorias mais que suficientes para alimentar todos os seus cidadãos, a enorme quantidade de alimentos perdidos ou que acabam no cesto de lixo é francamente inaceitável, enquanto a fome continue afetando quase 8% da população regional”, explicou Raúl Benítez.
Como acabar com as perdas/desperdícios?
Existem formas de evitar as perdas e desperdícios em todos os níveis da cadeia, principalmente mediante investimentos em infraestrutura e capital físico, melhorando a eficiência dos sistemas alimentares e a governança sobre o tema, por meio de marcos normativos, investimento, incentivos e alianças estratégicas entre o setor público e privado.
Um exemplo são os bancos de alimentos, que reúnem comida, que por diversas razões seria descartada, para sua redistribuição, e que já existem na Costa Rica, Chile, Guatemala, Argentina, República Dominicana, Brasil e México. A Associação de Bancos de Alimentos do México, por exemplo, resgatou 56 mil toneladas de alimentos só em 2013.
A sensibilização pública também é chave, e é possível realizá-la através de campanhas dirigidas a cada um dos atores da cadeia alimentar, como faz a Iniciativa global SAVE FOOD, uma aliança entre a FAO, PNUMA e a companhia alemã Messe Düsseldorf. A SAVE FOOD reúne 250 sócios, organizações e empresas públicas e privadas, e leva a cabo campanhas em todas as regiões do mundo.* Publicado originalmente no site Adital.