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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Obama fez por merecer o Nobel da Paz


O novo diálogo dos EUA com Cuba é exemplo de "pensar o impensável" e demonstra que o Brasil estava certo ao se aproximar da ilha. Por Celso Amorim
por Celso Amorim — publicado 22/12/2014 15:25, última modificação 23/12/2014 10:05
Joe Raedle / Getty Images / AFP
Cuba-EUA
Manifestante exibe bandeiras dos EUA e de Cuba durante ato em 20 de dezembro, em Miami, nos EUA
O que as negociações entre os países membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha e o Irã; o clamor dos parlamentos europeus pelo reconhecimento do Estado da Palestina; e o restabelecimento dos contatos diplomáticos formais entre os Estados Unidos e Cuba têm em comum? Resposta: todas essas ações vão no mesmo sentido de iniciativas diplomáticas dos governos Lula e Dilma, duramente criticadas pela mídia brasileira. Desnecessário recordar a ira com que foi recebida a Declaração de Teerã, erradamente vista como um gesto de complacência com o regime dos aiatolás e de contestação a Washington. O reconhecimento do Estado Palestino, em um momento em que as negociações de paz estavam paralisadas em decorrência da decisão israelense de permitir novas construções em Jerusalém Oriental, foi vista por muitos como evidência de atitude hostil a Israel. Críticas semelhantes foram levantadas em relação às medidas de aproximação com Cuba, especialmente ao financiamento à construção do porto de Mariel. Poucos perceberam, até muito recentemente, que, além de colocar as empresas brasileiras em posição vantajosa, no momento em que a economia cubana se abrisse de verdade para o mundo, ajudar Havana a ter um porto de grande dimensão era também um incentivo à maior integração da Ilha no comércio internacional.
No final de 2010, fui portador de uma carta do presidente Lula a Raúl Castro, que continha duas mensagens essenciais. Uma delas tratava da globalização econômica: um fenômeno cujos excessos deveriam ser certamente corrigidos, mas um processo em si mesmo inexorável. O Brasil se declarava disposto a ajudar Cuba a inserir-se de modo positivo na economia mundial. Mariel era parte desse quadro e por essa razão, entre outras, tinha o apoio político do governo brasileiro. Naquele momento de mudanças, o Brasil ofereceu-se também para transmitir sua experiência em programas de apoio à pequena e média empresa, inclusive como forma de amortecer as tensões sociais que poderiam advir da reforma da máquina estatal cubana na direção de um sistema mais voltado para o mercado.
A outra mensagem consistia, em tom respeitoso da soberania cubana, a estimular que o processo de reformas chegasse também ao campo político, especialmente na dimensão relativa ao tratamento dos direitos humanos. Sugeri, na longa conversa que tive com Raúl, que Cuba se abrisse ao diálogo com as instituições ligadas à ONU que se ocupam do tema. Posso dizer que fui ouvido com atenção e interesse pelo presidente cubano. Curiosamente, nesse contexto, ele tomou a iniciativa de mencionar a situação do cidadão norte-americano Alan Gross, preso por espionagem e cujo julgamento – temia-se – poderia levar à pena capital. Raúl nada propôs de concreto, mas o simples fato de levantar tema tão delicado me pareceu significativo. Haveria ali um convite para algum tipo de mediação (algo que o governo cubano sempre descartou, por considerar que as relações com os Estados Unidos constituíam tema essencialmente bilateral)? Nunca tive a oportunidade de conferir.
O reatamento diplomático entre Washington e Havana, que – esperamos todos – levará ao fim do anacrônico e injusto embargo – tem sido corretamente saudado como um fato histórico, que põe fim ao último resquício da Guerra Fria. Tanto Barack Obama quanto Raúl Castro merecem ser louvados pela atitude corajosa, que quebrou paradigmas e preconceitos de ambos os lados. Raúl e Obama se tornaram merecedores do Prêmio Nobel da Paz, da mesma forma que outras duplas de estadistas, que contribuíram para a solução pacífica de conflitos aparentemente insuperáveis. Ambos “pensaram o impensável”. Esperamos que a mesma atitude de engajamento, em vez de confrontação, prevaleça em relação a outras disputas que ameaçam a Paz Mundial, como a relativa ao programa nuclear iraniano e ao conflito árabe israelense.
A propósito das incompreensões em relação a nossas iniciativas, recordo um diálogo que tive com Bill Richardson, ex-governador democrata do Novo México e posteriormente pré-candidato a presidente dos Estados Unidos. Éramos, Richardson e eu, embaixadores junto às Nações Unidas e o Brasil servia como membro não permanente do Conselho de Segurança. Lembrando uma conversa que tivera anos antes com o então Assessor de Segurança Nacional, Tony Lake, disse-lhe que o bom aliado não é o que diz sempre sim, mas aquele que, partindo de valores idênticos ou similares, é capaz de discordar e – dessa forma – contribuir para uma visão mais ampla de determinada situação (na época, 1999, discutíamos o Iraque). Richardson, a quem não faltava bom humor, por vezes com uma ponta de cinismo, não titubeou: “É, mas eu acho que nós preferimos aqueles que dizem sempre sim”. Muitos dos críticos da atual política externa brasileira prefeririam que disséssemos sempre sim. O que eles não percebem é que, ao agir com independência, sem fugir a seus valores, a diplomacia brasileira ajuda a formar visões que, por vezes – como agora –, se concretizam.Carta Capital/Utopia Sustentável

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Estados Unidos e Cuba, o princípio do fim de um histórico enfrentamento




Barack Obama telefona para Raul Castro para retomar relacoes diplomaticas entre Estados Unidos e Cuba foto Pete Souza TWH 201412160003 1024x682 Estados Unidos e Cuba, o princípio do fim de um histórico enfrentamento
Barack Obama telefona para Raúl Castro e retoma relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba. Foto: Pete Souza/ TWH (16/12/2014)/ Fotos Públicas

Miami, Estados Unidos, dezembro/2014 – O espetacular anúncio, no dia 17 deste mês, de uma nova relação entre Washington e Havana, incluído o possível restabelecimento de amplas relações diplomáticas, pode ser (se forem cumpridos os prazos da agenda anunciada pelo presidente Barack Obama) o princípio do fim de um enfrentamento histórico, que durante várias décadas teve apenas um ganhador e um principal perdedor.
O embargo decretado nos anos 1960 só beneficiou predominantemente o governo (politicamente, claro) de Cuba. Dessa forma conseguiu justificar quase todas suas carências econômicas e políticas culpando o bloqueio dos Estados Unidos.
Durante décadas, até o final da Guerra Fria, Washington justificava seu assédio econômico como represália pelos confiscos da Revolução Cubana das propriedades, onipotentes desde a independência.
Baseava sua oposição política pelo divórcio de credos de governo. O enfrentamento ideológico entre as duas grandes potências (União Soviética e Estados Unidos) sustentava um status quo, reforçado pela lei Helms-Burton e outras legislações punitivas, que ainda condicionam legalmente (até sua eventual revogação) a manutenção do embargo, com base na rejeição ao sistema político e econômico cubano.
Já o grande perdedor deste longo impasse foi sistematicamente o povo cubano, tanto os que foram impelidos ao exílio, como a maioria que reside na ilha e que apoiou pela repressão ou voluntariamente o sistema, sem alternativas por canais tradicionais de eleições.
A ameaça da reimposição da histórica hegemonia de Washington em Cuba, sensível fator que se instalara precocemente na psique cubana, continua pesando até hoje.
Diante da evidência de que o embargo fracassou em seu objetivo essencial (derrubar o regime de Cuba) e do impacto da evolução demográfica do exílio (que já não se guia exclusivamente por critérios ideológicos), o governo norte-americano não conseguiu vencer a fronteira de encarar a total normalização das relações.
Isso se baseia em uma razão essencial: nenhum presidente norte-americano queria passar para a história negativamente como o primeiro a ter claudicado diante da teimosia de Fidel Castro, e agora de seu irmão Raúl. Previa-se que durante a vida de ambos não haveria caminhos substanciais na atitude de Washington, pela manutenção das bases fundamentais do regime cubano.
O estabelecimento de um regime marxista-leninista bem próximo da localidade de Cayo Hueso, no Estado da Flórida, continuava sendo um insulto difícil de engolir, nem mesmo com a passagem do tempo. Para a Casa Branca, dar um passo além de ligeiras reformas migratórias e viagens familiares não lhe renderia votos adicionais ou retiraria apoios.
Entretanto, Cuba, já há mais de duas décadas, não representava um perigo como antes: não apoiava revolucionários em outros países, não apoiava terroristas, garantia, paradoxalmente, a segurança de Guantânamo, não se implicava no crime organizado (como o tráfico de drogas) e, inclusive, colaborava nas tarefas de mediação e pacificação (Colômbia).
Um a um, os líderes da América Latina (e do resto do mundo, da China à Rússia) visitavam Havana. A Organização das Nações Unidas (ONU) seguia sistematicamente, ano após ano, condenando o embargo.
Por outro lado, Cuba havia melhorado suas operações econômicas exteriores, e reconvertido parte de seu sistema em modesta competição profissional, não era ainda um competidor em investimentos ou turismo em sua região natural do Caribe ampliada.
Para Washington, só o que interessava é que não se convertesse em um risco de segurança ao sofrer mais problemas internos que provocassem emigração descontrolada (como um segundo Mariel, como é conhecida a grande onda migratória de 1980).
Daí os militares e serviços de inteligência norte-americanos confiarem nos cubanos para manter a ordem em futuras épocas difíceis.
Nesse cenário, considerando a precária situação econômico-social de Cuba, chegara o momento de garantir a estabilidade. Entre o velho dilema composto por dois argumentos aparentemente opostos, mas, na realidade, complementares.
De um lado persistia a obsessão wilsoniana, em alusão ao presidente Woodrow Wilson (1913-1921), de “bom governo” e de missão civilizadora no resto do continente, e de um vergonhoso intervencionismo, reforçado pela insistência no respeito aos direitos humanos.
Por outro lado, se impunha o pragmatismo da alternativa prática da estabilidade. Washington se decantava inexoravelmente por esta segunda opção.
O mundo hoje é mais complicado do que o anterior aos atentados de 11 de setembro de 2001. Esteve ou ainda está em um par de guerras reais ou virtuais, diante de inimigos difusos e mais perigosos. Precisa do flanco sul bem protegido.
Diante das incertezas da América Latina, Obama jogou esta carta. Corre um risco e agora depende da sábia correspondência de Raúl Castro.
Porém, em outros capítulos da relativa calma na relação entre Estados Unidos e Cuba, quando uma acomodação era vista como factível, um dos dois extremos (em Washington-Miami e Havana) optava pela tática do descarrilamento e formava uma coalizão com seu homônimo ou o outro lado.
De um lado ou de outro, ou os dois unidos, lhes convém a tensão. Falta ver se esse perigo se repetirá. Envolverde/IPS
Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Rumo à Cuba pós-embargo




Cuba Cars 03 485x244 Rumo à Cuba pós embargo
Milhares de norte-americanos visitarão a ilha, inclusive para tratamentos de saúde. País está pronto? Como a população se prepara?
Uma enorme marina, capaz de abrigar umas mil embarcações de recreio, foi construída no extremo da península de Hicacos, de onde domina a praia de Varadero e, graças a ela, o polo turístico mais importante de Cuba, pela quantidade de hotéis e de quartos que possui.
A uns 200 quilômetros a leste do balneário, na baía de Mariel, foi inaugurado um porto para supercargueiros e manejo de grandes contêineres, em cujo entorno se criou uma “Zona Especial de Desenvolvimento”, na qual espera-se que funcione uma zona franca que abrigará inclusive diversas indústrias.
Enquanto isso, um pouco mais ao norte, na redação do influente The New York Times, quase com uma frequência semanal, foram saindo editoriais – não artigos, mas editoriais – nos quais, de forma direta ou indireta, convincente ou contraditória, o grande tema é a necessidade de que se termine ou se flexibilize o embargo decretado pelos Estados Unidos a Cuba, inclusive convertido em lei desde a década de 1990. A reivindicação ao presidente Barack Obama, para que faça algo a respeito do velho instrumento de pressão criado para acabar com o projeto socialista cubano, tem um argumento fundamental: mais de 50 anos de bloqueio não lograram o objetivo de acabar com o sistema cubano e os estadunidenses deveriam ter o direito de visitar Cuba livremente.
Desde que assumiu a presidência, há seis anos, Obama anulou toda uma série de restrições que impediam relações pessoais e até econômicas mais fluidas entre as famílias cubanas localizadas num e noutro lado do Estreito da Flórida, e se incrementou o número de vistos concedidos aos moradores da ilha. Mas, ao mesmo tempo, durante seu governo certos instrumentos do embargo (alguns de caráter extraterritorial estadunidense) tornaram-se ainda mais ativos, especialmente no campo das finanças e dos bancos, com multas aplicadas e ameaças, inclusive aos comerciantes chineses, que estão entre os mais próximos a Cuba e entre os mais interessados em explorar as possibilidade que a ilha possa oferecer: agora e amanhã.
No mundo da opinião sobre as relações Cuba-EUA, todos têm suposições a respeito do que está ocorrendo e do que possa ocorrer. Mas as opiniões e especulações não mudam a realidade, muito embora na realidade já se advirtam sinais de que se espera que algo ocorra no processo de descongelamento dos laços comerciais e financeiros entre os dois países, inclusive entre os diplomatas. E, do lado cubano, aí está o porto de Mariel e sua Zona Especial de Desenvolvimento, mas, sobretudo, os ancoradouros ainda vazios da grande marina construída em Varadero, para receber quem?
Mesmo que o destino final do embargo pareça decretado – não é nada casual esta rajada de editoriais de The New York Times –, seu desmonte não será fácil para o o presidente estadunidense: a decisão final não é só sua, por se tratar de uma lei do país. Mas, dentro desse marco legal, se são suas determinadas prerrogativas que poderiam retirar alguns dos tijolos do muro, e por isso quase todos os analistas concordam que o primeiro passo poderia ser, precisamente, a retirada da proibição de viajar a Cuba que pesa sobre os cidadãos dos Estados Unidos – além de outras muito agressivas como a inclusão de Cuba na lista dos países promotores do terrorismo.
A partir do momento que essa decisão seja adotada por Obama, o fluxo de estadunidenses que viajem a Cuba por desejo, curiosidade e até doença deverá se contar em milhões. Além de toda a carga histórica, cultural e política que moveria essa avalanche, está o fato certo de que Cuba é, sem dúvida, o país mais seguro da América Latina para qualquer visitante e este é um valor turístico dos mais apreciados.
E Cuba está realmente preparada para um movimento assim? Nas últimas duas décadas o desenvolvimento das instalações turísticas cubanas foi exponencial quanto à quantidade de quartos e opções. Mas, ao mesmo tempo, a qualidade da oferta turística da ilha ainda está muito distante da que oferecem outros países da região e do que costumam exigir os estadunidenses (entre outras razões pelos 10-15% que como gorjeta adicionam ao pagamento dos serviços que recebem). E o problema não está no fator humano, pois o empregado de turismo cubano é, possivelmente, um dos mais instruídos do mundo, já que muitos profissionais emigraram a este setor atraídos pelos ganhos individuais que se mostram, sem dúvida, maiores que os oferecidos pelos salários oficiais cubanos. O cerne da questão parece estar na qualidade do material: alimentos, bebidas, comodidades (ar condicionado, elevadores, etc.) que muitas vezes estão muito abaixo dos padrões admissíveis.
Mas, como um exército silencioso, também o setor privado cubano, especialmente o relacionado com a gastronomia e a hospedagem, parece preparar-se para a possível avalanche. Por isso, nos lugares privilegiados de cidades como Havana crescem e se multiplicam restaurantes que, claramente, não estão projetados para os consumidores cubanos – em primeiro lugar em virtude de seus preços e, a olhos vistos, pelos investimentos que seus proprietários neles realizaram. Ao mesmo tempo preparam-se e abrem-se albergues ou apartamentos para aluguel. Esperam realizar sua grande colheita com uma multiplicação do número de visitantes a Cuba, que poderia ser provocada pela retirada das restrições estadunidenses às viagens de seus cidadãos.
Todos esses preparativos, todos esses editoriais, todas as reivindicações históricas do governo cubano e até da comunidade internacional terão afinal uma recompensa? O ar que se respira parece dizer que sim. O silêncio presidencial estadunidense – um governo que enfrenta outros muitos e bem complexos desafios – alimenta a dúvida. Por enquanto, o embargo/bloqueio segue em pé, embora não se detenham os preparativos nem se percam as esperanças de ver o fim de algo que, para os cubanos comuns, tem sido um de seus pesadelos mais dilatados no tempo.
Leonardo Padura Fuentes é um escritor e jornalista cubano, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Seus romances foram traduzidos para mais de quinze idiomas e sua obra mais recente, “El Hombre que Amaba a los Perros”, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader. Compre com desconto em nossa livraria essa preciosa obra./ Tradução: Maurício Ayer.
** Publicado originalmente no site Outras Palavras.