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terça-feira, 7 de abril de 2015

O lixão pontocom da África




Em Accra, capital de Gana, acumulam-se os detritos tecnológicos do mundo rico. Os moradores vivem da coleta de computadores, DVDs, celulares etc. Ganham de 20 centavos a 10 dólares por dia
Doze mil quilômetros separam Acra, a capital de Gana, do Vale do Silício, Califórnia, Estados Unidos, centro da revolução tecnológica do século XXI. Há, no entanto, outra distância maior do que a geográfica. Acra e o Vale do Silício estão no extremo de um ciclo de vida. Computadores, tablets e celulares nascem da cabeça de nerds sob o sol californiano e morrem e são descompostos no distrito de Agbogbloshie, periferia africana.
Densamente povoada por migrantes do norte do país e por imigrantes da Costa do Marfim, do Togo e de Burkina Fasso, Agbogbloshie carece de infraestrutura. Não há saneamento básico, pavimentação nas ruas ou áreas de lazer. Restos de madeira, plástico e metal formam a precária estrutura das casas. Nada mais parecido com qualquer favela de qualquer país pobre do mundo, não fosse um fato: um certo toque de ficção científica acrescentado à paisagem pelas montanhas de carcaças de computadores, tevês, fotocopiadoras, DVDs e celulares, como em uma aventura distópica de Philip K. Dick. Os “cadáveres” chegam diariamente em caminhões vindos da região portuária da cidade e transformam Agbogbloshie em um dos maiores lixões de eletroeletrônicos do planeta.
O cemitério permitiu o florescimento de um mercado paralelo e informal. Mais de 30 mil africanos de diferentes idades, crianças incluídas, ocupam-se de duas atividades, do conserto e venda de eletrônicos que ainda podem ser recuperados ou da extração de metais valiosos do entulho, entre eles prata, aço e cobre.
O rendimento do trabalho varia. Segundo Titi, taxista que durante três anos coletou minérios no lixão, o ganho médio diário oscila de 20 centavos a 10 dólares. A jornada de trabalho chega a 13 horas por dia, 7 dias por semana. No outro lado do mundo, no Vale do Silício, as fortunas acumulam-se em nanossegundos. De acordo com a revista Forbes, no último ano a fortuna de Bill Gates, fundador da Microsoft, aumentou em 3 bilhões de dólares, número que provavelmente os catadores do lixão ganense seriam incapazes de calcular.
Expostos a diversos tipos de riscos e doenças associadas ao lixo eletroeletrônico, os trabalhadores executam as atividades desprovidos de equipamentos de proteção, e muitos trabalham sem camisa e descalços. O maior risco vem da inalação de substâncias tóxicas que derivam da queima de fios de plástico, técnica utilizada para extrair o minério de cobre em seu interior. Além de interferir na saúde respiratória dos trabalhadores, a queima de lixo eletrônico contamina alimentos comercializados nos mercados da região, pois a fumaça carrega diferentes metais pesados, além do dióxido de carbono, facilmente depositados nas cascas de frutas e verduras expostas ao ar livre.
O cheiro de Agbogbloshie é indescritivelmente forte e ácido. O calor e a umidade não aliviam a sensação. Sem o menor sinal de vida, o Rio Odaw, que corta o lixão, lentamente carrega pedaços de plástico e de metal dispensados pelos trabalhadores, em uma versão piorada do Tietê paulistano. Cachorros e vacas famintos em busca das escassas gramas e de restos de comida dividem o espaço com os trabalhadores, enquanto as crianças jogam futebol com bolas improvisadas de isopor.
A maioria das carcaças eletrônicas de Agbogbloshie chega da Europa e da América do Norte. Sua liberação nos portos de Gana justifica-se por acordos comerciais cujo propósito, em tese, é ampliar o acesso da tecnologia aos desfavorecidos em países subdesenvolvidos. Em outras palavras, um europeu dono de um computador velho em casa, quebrado ou não, pode enviar o equipamento a algum país africano baseado no altruísta objetivo de propiciar acesso ao “mundo digital” a negros e mulatos pobres das periferias. É uma dupla limpeza: da casa propriamente dita e da consciência.
Apesar de veementemente condenado pela Convenção da Basileia, realizada em 1989, na Suíça, o fluxo de lixo eletrônico continua intenso, de modo que os lixões eletroeletrônicos se espalham por outros países africanos (Egito, Nigéria e Quênia já têm os seus) e na Ásia (incluídos os emergentes Índia e China).
O governo de Gana tenta organizar os trabalhadores em cooperativas, mas a miséria e a ignorância predominam no cemitério de Agbogbloshie e dificultam as iniciativas. O objetivo é sobreviver. Se esse fosse o texto de um programa do National Geographic Channel, o locutor encerraria: “E assim a vida se renova (no mundo digital)”.CartaCapital/Utopia Sustentável

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Prazo de dez anos para acabar com a fome na África




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A mudança climática é um obstáculo no caminho para acabar com a fome na África, pois afeta as terras de cultivo e destrói as colheitas dos agricultores em todo o continente. Foto: Tinso Mungwe

Embora as economias da África estejam entre as de maior crescimento do mundo, centenas de milhões de africanos vivem abaixo da linha de pobreza, de US$ 1,25 ao dia, um fator fundamental na fome generalizada que afeta o continente. Um dos principais temas discutidos na 24ª Cúpula da União Africana, que terminou na capital da Etiópia no dia 31 de janeiro, foi a segurança alimentar no contexto de desenvolvimento para a Agenda 2063, uma série de metas que o continente deverá alcançar até essa data.
A segurança alimentar é um elemento importante da Agenda 2063 e, como a fome é uma das preocupações mais angustiantes do continente, o programa prioriza as transformações socioeconômicas necessárias para sua erradicação, como proporcionar às pessoas as habilidades necessárias e criar empregos para melhorar sua renda e seu meio de vida.
Na frente agrícola se dá ênfase à expansão da produção alimentar e facilitação do intercâmbio comercial dentro da África, a fim de limitar a importação de alimentos. O objetivo é acabar com a fome em nível continental na próxima década.
Acabar com a fome também ocupou lugar de destaque nas atividades da União Africana em 2014, já que o declarou Ano Africano da Agricultura e da Segurança Alimentar, e os chefes de Estado e de governo africanos também aprovaram a Declaração de Malabo sobre o “crescimento agrícola acelerado e a transformação da prosperidade compartilhada e meios de vida melhorados”.
Ao mesmo tempo colocou em marcha a Aliança Renovada para uma Estratégia Unificada para Acabar com a Fome até 2025, no contexto do Programa Integral de Desenvolvimento Agrícola da África (CAADP). A associação é uma iniciativa conjunta da União Africana, Organização das Nações Unidas para a Alimentação de a Agricultura (FAO), do Instituto Lula, da Nova Aliança para o Desenvolvimento da África, da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, do Banco Mundial, do Programa Mundial de Alimentos e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
As estatísticas confirmam que a fome na África é real. A FAO calcula que uma em cada três pessoas na África subsaariana está desnutrida, mas a responsabilidade não cabe apenas à pobreza. Outro obstáculo no caminho para acabar com a fome é a mudança climática mundial, que afeta as terras de cultivo e destrói as colheitas dos agricultores em todo o continente.
Para colocar o tema da terra na agenda do desenvolvimento, a FAO designou 2015 Ano Internacional dos Solos, no contexto da Aliança Mundial pelo Solo e em colaboração com a secretaria da Convenção das Nações Unidas de Luta Contra a Desertificação. A intenção é sensibilizar a população e aumentar a compreensão da importância que o solo tem para a segurança alimentar e as funções dos ecossistemas essenciais, incluídas a adaptação à mudança climática e sua mitigação.
A mudança climática influi enormemente nos meios de subsistência dos pequenos agricultores, especialmente vulneráveis. As secas, inundações e outros desastres ambientais fazem com que as pessoas expostas tenham mais dificuldades para manter seus meios de vida ou inclusive pensar em aumentar sua produtividade agrícola.
Segundo Sipho Mthathi, diretora-executiva da organização humanitária Oxfam África do Sul, o sistema alimentar mundial é essencialmente injusto. “Isso significa que, por um lado, os países têm a capacidade de produzir suficiente comida para se alimentar e alimentar o mundo, por outro, a produção de alimentos é controlada e limitada pelas empresas transnacionais. Falta muito apoio, sobretudo para os pequenos produtores no continente”, disse à IPS, ressaltando que “isso significa que o potencial da África está prejudicado”.
Porém, os Estados membros da União Africana parecem lidar com a necessidade de expressar o crescimento econômico do continente em políticas que beneficiem a população em geral. A Organização Pan-Africana e seus países foram criticados pela lentidão na aplicação das declarações e demais acordos assinados.
Erastus Mwencha, vice-presidente da Comissão da União Africana, afirmou à IPS que no passado foram aplicadas muitas iniciativas para garantir o acesso aos alimentos, tais como ter contextos prontos para garantir a capacidade de recuperação quando os países sofrem seca. Graças aos acordos alcançados em 2014, há claras melhoras no setor da agricultura, apontou.
Segundo Mwencha, “a agricultura está recebendo prioridade nos orçamentos e planos de ação dos Estados membros. Vimos uma injeção de investimentos na agricultura, tanto dos governos, como do setor privado. Também vimos que vários países alcançaram níveis mais altos de nutrição, indicando que melhorou o investimento na segurança alimentar, agora que a agricultura adquiriu maior prioridade”.
Tacko Ndiaye, responsável de Gênero, Igualdade e Desenvolvimento Rural da FAO na África, acredita que a erradicação da fome poderá ser alcançada em uma década. “É algo realista sem existirem investimento, capacidades, mecanismo institucional, alianças. São objetivos muito realistas, mas todas essas dimensões devem estar presentes”, ressaltou. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ebola provoca crise alimentar na África ocidental




ebolavion Ebola provoca crise alimentar na África ocidental
Um avião alemão chega a Gana para entregar suprimentos da ONU como parte da resposta de emergência para a crise do ebola. Foto: UNMEER/ONU

Nações Unidas, 23/10/2014 – A epidemia de ebola na África ocidental, que oficialmente já matou mais de 4.500 pessoas, também ameaça desencadear uma crise alimentar nos países onde se concentra, por si só já assolados pela pobreza e pela fome. A crise se limitará, sobretudo, aos três países onde se concentra a ação do vírus, Guiné, Libéria e Serra Leoa , afirmou Shenggen Fan, diretor-geral do Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares (IFPRI), uma organização independente com sede em Washington.
O ebola está provocando uma crise alimentar por uma série de fatores relacionados entre si, como a morte dos agricultores, escassez de mão de obra, aumento dos custos de transporte e dos preços dos alimentos, acrescentou Fan. “Dentro desses países, onde a desnutrição é um problema há muito tempo, a crise alimentar pode persistir durante décadas”, alertou.
Mas, como Guiné, Libéria e Serra Leoa são importadoras de alimentos, é pouco provável que a crise alimentar se propague a outros países, dentro ou fora da região, ressaltou Fan. Os preços mundiais tendem a ter efeitos de transmissão nos preços dos alimentos regionais ou nacionais, mas, para os pequenos mercados, como são esses três países, é pouco provável que esse efeito transcenda suas próprias fronteiras, sempre e quando a enfermidade em si não for transmitida para outras áreas, afirmou.
Segundo os últimos dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), até agora foram registrados cerca de 9.200 casos de ebola, incluídos 4.262 na Libéria, 3.410 em Serra Leoa e 1.519 na Guiné. O número de mortos é maior na Libéria (2.484), seguido de Serra Leoa (1.200) e Guiné (862). O porta-voz da Organização das Nações Unidas (ONU), Stephane Dujarric, declarou à imprensa, no dia 20, que a OMS declarou a Nigéria oficialmente livre da transmissão do vírus, depois de 42 dias sem um só caso.
É “um êxito espetacular que demonstra que o ebola pode ser contido”, segundo a OMS. Isso “pode ajudar muitos países em desenvolvimento que estão profundamente preocupados pela possibilidade de um caso importado de ebola e que estão ansiosos para melhorar seus planos de preparação”, ressaltou Dujarric. O anúncio aconteceu poucos dias depois de o Senegal também ser declarado livre do ebola, acrescentou.
O fundo criado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para combater essa doença mortal agora tem cerca de US$ 8,8 milhões em depósitos e US$ 5 milhões prometidos, informou o porta-voz. No total foram prometidos US$ 43,5 milhões, e Ban continua pedindo aos países que cumpram essas promessas o mais rápido possível. O secretário-geral expressou seu pesar pela morte pelo ebola de um membro da ONU Mulheres em Serra Leoa. Seu marido está recebendo tratamento, afirmou.
“Todas as medidas de proteção do pessoal em Serra Leoa estão sendo tomadas da melhor maneira possível nas circunstâncias atuais”, assegurou Dujarric, como a descontaminação da clínica da ONU no lugar, a eliminação da instalação de isolamento e a localização de possíveis contatos.
Em comunicado divulgado no dia 21, o IFPRI informa que a situação que os três países enfrentam é sombria. As escolas em Serra Leoa fecharam, o que implica o fim de programas de alimentação fundamentais para crianças que dependiam deles. E as restrições ao consumo da carne de animais silvestres, a suposta fonte do ebola, eliminaram uma fonte tradicional de proteínas e nutrientes da dieta local.
“Além disso, nas zonas afetadas estão aumentando vertiginosamente o preço dos alimentos básicos, como arroz e mandioca, na medida em que são abandonados os cultivos e escasseia a mão de obra”, destaca o comunicado. A comida que se exporta dessas zonas tampouco está chegando a outras regiões.
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Unidade de Tratamento do vírus Ebola Ilha Clinic, em Monróvia na Libéria. Foto: Morgana Wingard/ USAID (22/09/2014) – Fotos Públicas

“Enquanto avaliamos os perigos dessa terrível enfermidade, não devemos esquecer a autêntica ameaça que representa para a segurança alimentar”, afirma o IFPRI. “A comunidade internacional deve unir-se para garantir a existência de redes de segurança que protejam não só as pessoas infectadas com o ebola, mas também aqueles cujo acesso aos alimentos estiver gravemente afetado”, acrescenta.
Essas redes de segurança, que poderiam consistir na transferência de dinheiro vivo ou em alimentos, devem estar acompanhadas de intervenções nutricionais e de saúde, explicou Fan. Por exemplo, um programa de transferência condicional de dinheiro vinculado à saúde pode melhorar o acesso aos alimentos nutritivos, especialmente quando os preços são altos, e também fomentar o uso dos serviços de saúde, acrescentou.
“Isto é importante porque investir na nutrição e na saúde das populações vulneráveis pode reduzir a taxa de mortandade de doenças como o ebola, já que a situação nutricional e a infecção estão intimamente vinculadas”, afirmou Fan. Quando passar a epidemia, a proteção social e as intervenções de apoio à agricultura serão essenciais para aumentar a resistência a futuras crises de subsistência, acrescentou, lembrando que a crise alimentar acrescentará milhares de mortes às provocadas pelo ebola nos três países mais afetados.
Os esforços recentes do Programa Mundial de Alimentos (PMA) para dar assistência alimentar a 1,3 milhão de pessoas nesses três países dão uma ideia da magnitude da crise atual. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) também dá assistência alimentar a cerca de 90 mil famílias rurais para mitigar a crise, pontuou Fan. Para ele, no começo da colheita, a escassez de mão de obra coloca em perigo a segurança alimentar de dezenas de milhares de pessoas nas zonas especialmente afetadas. Envolverde/IPS